terça-feira, 29 de abril de 2008

A música que ninguém ouve

'A vida que ninguém vê' é o nome do livro que a jornalista Eliana Brum lançou em 2006, reunindo crônicas que escrevia tempos atrás sobre pessoas comuns e anônimas, no jornal Zero Hora. A leitura daqueles textos é cativante. São palavras poderosas, que imprimem singularidade a quem parece tão comum, como o carregador de malas do aeroporto ou o homem que pede esmolas deitado no chão da praça. Vidas que a gente só não vê, e só não valoriza, porque não quer, porque temos o olho treinado para ignorar o que parece não ser "importante".

Foi impossível não lembrar da proposta de Eliana Brum de dar importância àqueles que ignoramos quando fui assistir a 'Apenas uma vez', no original ‘Once’, filme de John Carney que deu o Oscar de melhor canção aos atores/músicos Glen Hansard e Marketa Irglova. O filme volta as câmeras para um cantor e compositor que trabalha com o pai consertando aspiradores de pó e apresenta canções famosas nas calçadas em troca de alguns trocados. De noite, quando quase ninguém mais está na rua, ele arrisca tocar as composições próprias e, assim, conhece a personagem de Marketa, uma vendedora de flores/faxineira e também compositora.

A partir desse encontro, surge uma parceria que leva os dois até o grande momento de suas vidas até ali — não, não se trata de um show para milhares de pessoas, como provavelmente terminariam os filmes de padrão americano, mas a simples gravação de um CD demo, junto com outros três músicos de rua. Quando o filme acaba, a obra daqueles dois compositores anônimos (o filme não nos revela como chamam os personagens principais) terá sido ouvida — além dos músicos — por apenas quatro pessoas: o pai do protagonista masculino, o assistente de gravação do estúdio, o dono de uma loja de instrumentos e o funcionário da financeira que empresta o dinheiro para a gravação (em uma das cenas mais legais do filme).

O que acontece com nosso herói quando ele se separa da parceira e parte para Londres com alguns CDs de suas músicas gravadas não sabemos. Podemos imaginar que ele conquiste algumas platéias um pouco mais numerosas em casas de show da capital inglesa, que obtenha alguns milhares de audições na página que deverá criar no MySpace, ouça suas canções em alguns programas específicos de rádio e mereça algumas linhas em revistas especializadas de música, mas precise sempre consertar aspiradores para viver.

Muito provavelmente é isso que acontecerá com ele, somos obrigados a pensar. Mas nem por isso, e o mérito do filme de Carney é justamente mostrar isso, sua arte será menor ou menos importante. A música que os dois compositores criam juntos já preencheu a vida de ambos e deverá conquistar outras pessoas, embalar corações e preencher almas, mesmo que sejam poucas almas. E isso já é muito.

Poucos filmes retratam tão bem o espírito de uma geração de artistas como 'Once' — uma geração que, mesmo precisando trabalhar com algo que não seja sua real vocação, não pára de compor e de fazer arte. Geração disposta a continuar criando aos 30, 40 anos de idade, e que assim, a seu modo, tem a coragem de exigir o impossível e se transformar, cada dia mais, em brilhantes e fundamentais artistas anônimos, falando para um público que sente estar ali, disposto a ouvi-lo, mesmo que seja difícil enxergar e reconhecer quem exatamente é esse público. Uma geração recheada de pessoas sensíveis soterradas pelas obrigações do dia-a-dia e que precisam da arte para falar o que pensam e sentem de verdade (reparem na bela e emblemática cena do ônibus na qual o rapaz só consegue falar de si mesmo para a moça inventando canções).

Ironicamente, foi ‘Once’ que fez Glen e Marketa, dois compositores anônimos de verdade, ganharem a fama mundial, recebendo um Oscar por uma das belíssimas composições que recheiam o filme (‘Falling Slowly’). Mas a “nobre” premiação, que parece a forma de Hollywood dar ao filme o final padrão com o qual está acostumada, só vem confirmar o que o diretor John Carney quer mostrar com sua fita: que a música que ninguém ouve é, apesar disso, a música que todos poderiam ouvir.

Como disse Glen ao receber a estatueta: “Make art! Make art!”

quinta-feira, 10 de abril de 2008

'Dias mais tranqüilos'

A imagem que vocês vêem aí do lado vai ilustrar a capa do meu novo disco, 'Dias mais tranqüilos'. Assim como no primeiro CD, escolhi uma obra de um artista plástico. Em 'Lançando sinais', aquarelas de Mário Barata deixaram o encarte do disco lindo de morrer. Agora é a vez de Cecília Mori, amiga e artista aqui de Brasília, me ajudar. A tela 'Sem Título' é de 2004, e quando comecei a pensar sobre a capa do novo CD, logo lembrei desse quadro, que tinha visto na casa de um amigo. Me pareceu perfeito para um disco de um compositor de Brasília e com esse nome ('Dias mais tranqüilos'). Quem já esteve em Brasília em maio ou junho e olhou pra cima sabe por quê. O céu fica laranja, rosa, azul e a grama ainda tá verde. É a época do ano mais bonita na cidade.

O disco teve pré-lançamento na Internet, com exclusividade, pelo MySpace. Quem quiser pode baixá-lo a partir de hoje até o dia 20 de abril. O CD físico, com a capa embelezada pelo quadro da Cissa e tudo mais, sai no final de maio, quando teremos um show especial bem bacana. Mas, por enquanto, vou ficar muito feliz com a visita de vocês lá no "meu espaço": www.myspace.com/betoso.


Abs!