segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Entrevista

O site Palco Vale publicou esta semana uma entrevista comigo. Vejam abaixo. Valeu mesmo, Erick!

Beto Só: uma nova fase mais tranqüila
Por: Erick Tedesco Gimenes

Palco Vale – Beto, em novembro de 2007 você lançou um novo single com duas músicas. Qual o sentimento que norteou a composição de "O espaço do nada" e "Meu velho Escort"?
Beto -
Vejo essas duas músicas como irmãs dentro do disco que quero lançar em março. O disco trata basicamente de três temas, que são o amor, ou os relacionamentos afetivos; a relação com o trabalho, com ganhar a vida e se sustentar; e o auto-conhecimento. Não se trata de uma ópera-rock, obviamente, mas eu tento no disco contar um pouco do que vivi nos últimos três anos, desde que compus as músicas do meu primeiro CD, Lançando Sinais. E o que basicamente aconteceu na minha vida foi uma busca por resolver bem essas três questões vivendo num mundo cada vez mais veloz, agitado, indefinido. Essas duas canções tratam do auto-conhecimento. "Meu velho Escort", que deverá vir antes no disco (provavelmente será a faixa 4), trata sobre a dificuldade de se relacionar quando estamos deprimidos, sem norte e resistimos a olhar para nós mesmos, porque os relacionamentos exigem que você se exponha e acabe tendo de pensar um bocado sobre como você é. Fala sobre a solidão como fuga, uma forma de evitar se conhecer. É aquela solidão do deprimido e não a "sozinhês" de quem se afasta para poder se conhecer melhor. Já "O espaço de nada" parece um passo adiante. É quando eu reflito sobre tudo que deixei de fazer na vida e como pago um preço alto por isso. Cada coisa não feita vira um peso. É uma tomada de consciência dolorosa, mas necessária. No disco, "O espaço de nada" é a oitava faixa, logo antes de "Os dias mais tranqüilos", a música que dá nome ao disco. Mesmo que pareça triste, é uma canção que anuncia dias melhores, porque representa a tomada de consciência, essencial para que mudemos nosso padrão de comportamento e sejamos mais felizes.

Palco ValeO single foi lançado apenas em formato virtual ou também é possível tê-lo em CD físico? Você é um músico adepto do download livre de arquivos na Internet, não?
Beto -
Nesse caso lançamos só pela Internet, porque o disco está bem perto de ser lançado. É uma forma de fazer com que as pessoas já conheçam algumas músicas quando o disco sair. E por causa do investimento no disco não teria dinheiro para prensar cópias físicas agora. Quanto à troca de arquivos, "adepto" é a palavra. Porque o download, pra mim, é uma realidade, não se trata de defender ou atacar a troca de MP3. Pra mim, essa troca fácil de arquivos favorece nossa relação com a música. Posso descobrir coisas novas, conhecer bandas e artistas distantes. Pra mim, o que importa é ser ouvido. A indústria da música está em crise, mas não a música. A música vai muito bem e todos têm possibilidade de mostrar seu trabalho para alguns milhares de pessoas. Como não aderir ao MP3, à Internet? Existe hoje um movimento para que as pessoas se conscientizem e passem a pagar pelos downloads. Tenho a sensação de que esse movimento está na contramão histórica. Iniciativas como o download remunerado da TramaVirtual, em que empresas anunciantes pagam aos artistas em troca da exposição das marcas, e do Radiohead, que deixa a pessoa pagar o quanto ela quiser, estão mais de acordo com a nova relação das pessoas com a aquisição de conteúdo. Se pensarmos bem, essa coisa de conteúdo gratuito não é novidade. A televisão faz isso há décadas. Deixa a gente ver os programas de graça e retira sua renda da publicidade. Hoje, o artista que dificulta as pessoas de terem sua música está passando a seguinte mensagem para o público: "eu quero que você me dê seu dinheiro antes de saber se meu disco é bom ou não". As pessoas não aceitam mais isso. Elas dizem ao artista: "Me mostre sua música e se o que você tem a dizer realmente me tocar, serei seu fã, irei aos seus shows, comprarei sua camiseta e seu disco, mostrarei sua música para todos os meus amigos que poderão se tornar seus fãs também". Ora, as pessoas oferecem muito aos artistas quando resolvem ocupar seu tempo (e seu HD) o ouvindo. Não há mais atravessadores, é o artista em contato direto com um público pronto para recebê-lo. E estamos só no começo deste processo. Sem saber que isso seria possível, sempre sonhei com esse dia, em que não dependeria de executivos encastelados para ser ouvido.

Palco Vale"Como pode nada ocupar tanto espaço?" é uma daquelas frases que devem ser sacramentadas no mesmo milésimo de segundo depois de pensada. No seu caso, qual foi a inspiração para isso?
Beto -
Essa letra surgiu em poucos minutos, assim como a música. É uma dessas canções que simplesmente parecem surgir do nada e por isso é muito difícil explicar qual foi a inspiração. Mas certamente eu só escrevi isso porque penso muito sobre essas coisas. De certa forma, essa música se relaciona com "Guirlanda de Flores", do meu primeiro disco, em que digo que "acontece tão pouca coisa na minha vida porque eu penso demais". Mas eu ainda precisava voltar ao tema, falando do peso que é não realizar as coisas que você gostaria de realizar. Acho que todos nós sentimos esse peso, ele está ali, impalpável, mas fazendo nossos ombros doerem e se dobrarem. A inspiração vem da vida e acho que a frase é bem bacana para uma canção que quer falar sobre isso. Como a frase apareceu eu não sei. Só sei que foi assim que ela surgiu quando comecei a tocar violão e tentar cantarolar algo.

Palco ValeO maravilhoso de suas músicas é que não dá para dizer que são apenas melancólicas, pois dependendo da óptica, é possível captá-las como músicas que ainda transmitem um futuro sem as amarras do passado sofrido. É desde modo que você de fato trabalha suas canções?
Beto -
Sim! Fico muito feliz de ouvir você dizer isso. É o que falei sobre "O espaço de nada". Ela pode parecer uma música triste, mas dentro do disco ela anuncia os dias mais tranqüilos. Encaro a tomada de consciência, o contato com a realidade, como uma das melhores coisas que podem acontecer com a gente. A verdade é libertadora porque nos apresenta a vida como ela de fato é e nos diz: "agora você pode viver". E acho que todas as minhas músicas de certa forma falam sobre a busca da verdade libertadora. São músicas otimistas na minha opinião, só que realistas ao mesmo tempo. E a realidade, você e eu sabemos, é dura. Viver é difícil, mas é uma delícia. Por isso eu resgatei uma música antiga, da época dos Solitários Incríveis, para abrir o disco, "Vida boa não é vida ganha".

Palco ValeO segundo álbum também será intimista como este single?
Beto -
Acho que sim. É um retrato do que vivi nos últimos anos, uma reflexão sobre a vida moderna e a busca pela felicidade nesses tempos atuais. É bastante intimista, como tudo que faço. Não sei fazer de outra forma.

Palco Vale Já intitulado Os dias mais tranqüilos, o que pode nos adiantar sobre o novo álbum, em relação às gravações, andamento musical, arte gráfica, etc.?
Beto -
O disco está quase pronto. O Philippe Seabra produziu e gravou e o Gustavo Dreher está mixando as músicas. Quanto à parte gráfica, ainda não sei como será. No primeiro disco eu tinha uma idéia clara do que queria, mas esse disco ainda não sei como ilustrar. Vou confiar no André Ramos, que também fez a capa do primeiro, e deixá-lo livre para criar. Acho que será um disco um pouco mais variado musicalmente que o primeiro, mais rico. Isso é resultado de uma vontade minha e do fato de o Bruno Sres, um guitarrista muito criativo, ter se juntado à banda no processo de arranjos, o que trouxe novas idéias e sonoridade pras músicas. Pessoas em quem confio muito dizem que este disco está melhor que o Lançando Sinais, mas eu não sei. Ainda estou inseguro e muito curioso sobre o que as pessoas vão achar.

Palco ValeOutra novidade é o blog que mantém paralelo à sua carreira musical. Como está a experiência de abraçar esta nova e emergente tecnologia?
Beto -
O blog é uma forma de manter um canal aberto com as pessoas que se interessam pelo meu trabalho. Não consigo tocar em muitos lugares nem lançar um disco novo a cada ano, então é uma forma de manter contato com meu público, indicando outras bandas, falando de filmes, livros e o que der na telha. Além disso, gosto de escrever. É uma outra forma de refletir sobre a vida, me conhecer melhor. E o blog permite que eu faça isso tudo de uma forma muito prática. É ótimo.

Palco ValeComo foram as apresentações realizadas no final de 2007 e o que podemos esperar dos próximos shows de Beto Só e seus formatos de se apresentar ao vivo?
Beto -
No final do ano passado comecei a testar um novo formato de banda. Agora toco só com um baixista (o Rinaldo Costa), um baterista (Beto Cavani), e um guitarrista (o Ju, meu irmão e parceiro). A idéia é ter um formato mais prático para conseguir viajar mais e me apresentar em outras cidades, coisa que pretendo fazer bastante este ano. Tomara que seja possível. Acho que está funcionando bem. O som ficou mais coeso, mais enxuto, valorizando mais as canções. Estou muito feliz com minha nova banda!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Definição

"Hoje, as pessoas trabalham mais do que deviam, para comprar coisas que não precisam e exibir para pessoas de quem não gostam."

Amós Oz, escritor israelense, em entrevista no Programa Roda Viva da última segunda-feira.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O CDF se deu bem, bobões

Eu ainda estou no Orkut. Muitos amigos foram embora, outros simplesmente deixaram seus perfis lá às moscas, mas eu entro sempre, mesmo que sem muito entusiasmo. Acho que o Orkut percebeu que a coisa toda anda meio monótona e busca sempre criar umas novidades pra nos distrair. A melhor de todas, nem tão recente assim, mas fundamental para este texto, é a pesquisa interna, que te permite achar não só comunidades relacionadas à palavra que você digita, mas também usuários e postagens em comunidades.

Desde que descobri isso, sempre digito “beto só” lá e vou à caça de alguma referência a minha pessoa. Pois dia desses, vi uma menção a mim na comunidade do colégio Alvorada, no qual estudei todo o ensino fundamental, de 1ª a 8ª série. Não, querido leitor, não se tratava de nenhuma garota dizendo que ainda pensava em mim de vez em quando, nem de um antigo amigo buscando contato porque sentia minha falta. A mensagem era uma confissão de ódio, dita por um anônimo.


O tópico se chama “Confraria do porradobol”. Referia-se a uma espécie de rollerbol infanto-juvenil que os garotos da escola costumavam praticar. Todos entravam na quadra de esportes com uma bola de futebol e tentavam acertá-la, com fortes chutes, algum outro garoto. O jogador que tivesse o azar de ser atingido pela bola era surrado, com tapas, até conseguir encostar no pique, na maioria das vezes uma das traves de futebol.


Para muitos, imagino, a diversão estava no prazer de espancar alguém sem ser repreendido por isso, coisa que, confesso, nunca me agradou muito, e não estou aqui fazendo tipo. Para mim, o legal era a sensação de perigo. Eu sentia um frio na barriga semelhante ao de encarar uma montanha russa. Eu era um jogador cauteloso. Me esmerava mais em evitar a bola do que tentar chutá-la para atingir alguém. Ficava ali, atento, me colocando de forma a não ser atingido, escapando da bolada. Achava excitante.


Pois ao encontrar o tópico sobre porradobol no Orkut, descobri que o risco que eu corria era muito maior do que minha percepção infantil alcançava. Pelo que pude notar, eu era um alvo perseguido por alguns garotos. Vejam o que diz o anônimo em questão:


"Muito 10. Porradobol, demais. Estudei 82/90 e o porradobol eu lembro de 1982, 3ª série, no alvoradinha da 905/906 norte. Na hora do recreio. Eu lembro que tinha um CDF BETO (que hoje em dia faz parte de uma banda de rock Beto só e os solitários) e a galera era doida para acertar a bola nele bem longe do pique”.


Olha, devo confessar que não é muito legal ler algo desse tipo sobre mim. Mesmo que se refira a uma época em que eu tinha nove anos de idade. Mas depois de alguns segundos concluí que não estava de todo surpreso. Eu sempre soube, mesmo quando era criança, que muitos não gostavam de mim. A escola era um lugar um tanto ameaçador e sempre tinha uns marmanjinhos mais crescidos que gostavam de perseguir caras como eu.

Eu era odiado por eles porque era uma espécie de estrela para os professores. Eu era aluno nota 10, era escolhido representante de turma, as tias me adoravam. Bem nessa época da terceira série, fui selecionado para compor o seleto grupo de alunos que leriam as mensagens na festa de dia dos pais e – acho que isto deveria ser o mais irritante – me tornei alvo da paixão de Suzana, uma ruivinha de olhos verdes, bonita que só, escolhida para ser a garota propaganda do colégio em um comercial de televisão. Suzana foi gostar logo de mim, o gordinho CDF!

É claro que eu era criança e a atenção de Suzana era um transtorno. Eu ainda não pensava em meninas, queria ficar com meus amigos. Passei a fugir de Suzana como a gatinha foge de Pepe, lê gambá no desenho animado. Mas certamente isso devia irritar os outros garotos do fundo da sala. Tanto que um dia eles conseguiram me cercar e me atingir como não conseguiam no porradobol. Combinaram de ligar para minha casa, na hora do Jornal Nacional, um depois do outro, me questionando sobre por que eu não namorava Suzana. Recebi acho que quatro ligações na seqüência, todas constrangedoras. Perguntavam se eu não gostava de mulher. Eram cruéis. Mas tudo bem, eram crianças e se sentiam menores que eu... Fazer o quê?


Mas me saí bem, conversei com uma maturidade que eu mesmo não sabia que tinha. A um deles, perguntei: “Você namoraria alguém se não gostasse dela?”. “Não” foi a resposta e o papo acabou. Descobri naquela noite que era muito observado, mas não imaginava que gerava antipatia a ponto de ser um alvo no porradobol. Ainda bem que fui um jogador cauteloso e nunca precisei correr até o pique debaixo de tapas. Vocês não me pegaram, bobões. O CDF se deu bem.