domingo, 28 de dezembro de 2008

2008-2009


A avaliação não é muito objetiva. Baseia-se mais em um sentimento que me acompanhou ao longo de 2008. Mas o ano que se encerra me pareceu ser um ano que colocou em prova a tal "cena independente". Explico. Parece que a coisa finalmente aconteceu. Digo, há cerca de quatro, cinco anos, em 2003, 2004, tínhamos todos uma expectativa de que as coisas aconteceriam para nós, independentes. Não estávamos errados. Elas de fato aconteceram, mas, como tudo na vida, rolaram de forma lenta, aquém do que nossas fantasias conseguem elaborar e, certamente, de forma ainda não acabada. Como tudo na vida.

Vejam aí os festivais independentes de pé, rolando em todo o Brasil, merecendo cobertura da mídia e investimentos de grandes empresas como Petrobras e Brasil Telecom. Vejam o novo fenômeno Mallu Magalhães dizendo não às grandes gravadoras e lançando de forma independente. Vejam aí bandas como Móveis Coloniais de Acaju e Circo Mágico (pra mim, essa sim, o grande e real fenômeno da internet no Brasil) mantendo-se fortes, ganhando público. Vejam gente inteligente bolando projetos legais — e destaco aqui a bela sacada de Senhor F ao mirar na integração sul-americana e fazer o festival El Mapa de Todos.

A maior prova de que as coisas aconteceram, como sonhávamos há cinco anos, é a de que continuamos fazendo e inventando, vivendo e criando. Outra são as críticas, algumas quase rancorosas, contra os festivais e bandas independentes vindas de quem está do lado de lá da cerca elétrica dos jabás. Será que tanta gente "graúda" resolveu dizer que nos festivais independentes as atrações são todas ruins por que perceberam a grana vindo pro lado de cá, bancando nossos festivais, discos, projetos? Hipótese boa, eu diria.

Mas 2008 acaba deixando em mim a sensação de que ainda precisamos nos comunicar com o público. Com as pessoas. E é dessa forma que sinto que fomos colocados à prova. Em 2009, acredito que uma boa discussão deva a ser sobre o que nós temos a dizer. Estamos conquistando espaços importantes, mas o que oferecemos ao público? Uma vez, ouvi de um escritor que um artista precisa ter o que dizer. É hora de nos propormos a ter o que dizer, como alguns já estão fazendo (por exemplo, Macaco Bong com o título de seu CD — 'Artista Igual Pedreiro'). É hora de olharmos para o que fazemos e debater, propor, criar uma real alternativa para o público. Aí, o espaço conquistado fará sentido.
Feliz 2009!

sábado, 27 de dezembro de 2008

O melhor, segundo o Correio Braziliense!

O ano termina com uma belíssima notícia. O nosso disco 'Dias mais tranqüilos' foi eleito o melhor de 2008 segundo os jornalistas que fazem a coluna Garagem, do Correio Braziliense. Na matéria de retrospectiva do ano, Daniela Paiva e Tiago Faria dizem: "'Dias mais tranqüilos, segundo álbum de Beto Só, confirmou o músico como um dos talentos mais completos da cidade".

Já no texto que apresenta cada um dos 10 discos selecionados, Tiago escreve: "'O caminho é longo, mas não tenho pressa', avisa Beto Só no início de um segundo álbum que, com serenidade, confirma o talento de um compositor cada vez mais solitário numa cena brasiliense tomada pela indiferença. Tão delicado quanto denso, dialoga com a melancolia do Los Hermanos e de Elliott Smith sem se contentar com a referência fácil. A luminosa primavera de um trovador."

Vejam a lista completa:

1- Dias Mais Tranqüilos - Beto Só (Senhor F Discos)
2- Acima da Chuva - Volver (Senhor F Discos)
3- Terceiro Mundo Festivo - Wado (Independente)
4- Artista Igual Pedreiro - Macaco Bong (Monstro Discos)
5- Uma Tarde na Fruteira - Júpiter Maçã (Monstro Discos)
6- Sou - Marcelo Camelo (Zé Pereira/BMG)
7- Donkey - Cansey de Ser Sexy (Sup Pop/Trama)
8- Mallu Magalhães - Mallu Magalhães (Independente)
9- A Redenção dos Corpos - Violins (Monstro Discos)
10- Como se Comportar - Moptop (Universal)

O legal é que perguntei para o pessoal do Garagem como a seleção é feita. Os três jornalistas que fazem a coluna (além da Daniela e Tiago, tem o Pedro Brandt) fazem uma lista com seus discos preferidos em ordem de preferência. Cada posição confere uma pontuação aos discos. Vamos supor: um disco em primeiro lugar em uma lista ganha 10 pontos, em terceiro em outra ganha 7 pontos e em décimo numa terceira ganha 1. Com isso ele somaria 18 pontos. Os discos com pontuação mais alta entram na relação de melhores. Isso significa que meu disco pode não ter sido o primeiro na lista de nenhum dos três, mas deve ter ficado bem colocado em todas as relações, o que garantiu uma boa pontuação.

PS: vale também conferir a lista de melhores do site Senhor F.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

'Dias mais tranqüilos' entre os mais legais!

A coluna Esquema Novo, publicada no jornal Estado de Minas, divulgou sua lista de melhores discos independentes de 2008. Abrindo a relação, está o nosso 'Dias mais tranqüilos'. Isso é muito, muito, mas muito legal mesmo!

Diz a coluna:

"Beto Só – Os dias mais tranqüilos – Beto é veterano da cena de Brasília, mas só nesse trabalho se faz pleno: ótimos arranjos, climas quase espaciais e letras que evocam sempre a simplicidade. Poderia ser banal, mas tangencia o sublime."

Para ver a lista completa, clique aqui.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

El Mapa

Um vídeo muito legal sobre o Festival El Mapa de Todos, do qual participamos. Trechinho de 'Vida boa não é vida ganha' e um pedacinho de entrevista comigo... :-)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

BH

Na próxima quinta-feira, 4/12, lançamos o disco em Belo Horizonte! Vai ser n'A Obra.

Serviço:
Beto Só (DF) e Carolina Diz (BH)
DJ Capitão Insano (rock)
Horário: 22h
Entrada: R$ 8,00

sábado, 29 de novembro de 2008

En el mapa

Na quinta-feira, tocamos no Festival El Mapa de Todos, aqui em Brasília. Saiu matéria no iG, reservando algumas linhas pra nossa apresentação:

"Coube ao brasiliense Beto Só apresentar o primeiro show da noite, no palco montado no foyer. Pena que até então pouca gente havia chegado para apreciar o pop intimista do artista, responsável por versos de inspirada melancolia como “o tempo contra nós / quase que perco você / o mundo tão veloz / tenta nos separar' (“O Tempo Contra Nós”)." A matéria completa, você lê aqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O vencedor (2)

E parece que o Lobão virou WASP de vez. Ele já disse que não conseguiu fazer direito a união do rock com o samba porque era branco. Agora, assumiu o discurso de que o que importa é ser winner mesmo e que quem discorda dele só pode ser católico culpado. Só pra criticar os artistas independentes (leia aqui o que ele disse em um evento literário em Ouro Preto).

Lobão quase acertou quando comparou artistas como ele aos times da primeira divisão e os independentes aos da segundona. A coisa tem suas semelhanças mesmo. Os independentes ganham bem menos dinheiro que os “artistas série A”, que, por sua vez, trabalham para cartolas que adoram um tapetão jabazento para organizar a tabela das FMs.

A única coisa que o Lobobo esqueceu é que a coisa não é bem assim série A – série B. Tá mais pra Copa do Brasil, na verdade. Aquele campeonato que na hora em que os times grandes precisam entrar em campo e mostrar o que sabem fazer contra os da segundona acabam passando vexame. E dá-lhe Santo André ganhando do Flamengo no Maracanã.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008


Paulo ou, melhor, Pierre, manda notícias da Rússia. Na verdade, envia um belo texto que mais parece um presente. Obrigado, amigo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

:-)

Hoje é dias das crianças
mais um

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Pra não dizer que não falei…

Provavelmente por causa das lembranças de 1968 que andam rolando este ano, eu tenho andado um bocado bélico. Saio atirando por aí. Mas para não dizerem que não falei das boas coisas, faço aqui o elogio a dois veículos que têm tratado os artistas independentes ou de grandes gravadoras de forma igualitária — o que já defendi em alguns textos publicados por aqui.

Não é de agora que a Rolling Stone tem dado espaço a bandas, cantores e compositores independentes nas suas páginas. Em várias seções, seja nas pequenas matérias sobre o mundo da música, no playlist de melhores canções do mês, ou na seção de críticas, é comum vermos artistas como Metallica ou Fresno dividirem o espaço com bandas como Lucy and the Popsonics e Hurtmold. Na última edição, na qual tive a alegria de ver meu disco resenhado, notei, feliz, que os quatro primeiros lançamentos analisados eram o de Frejat, Wado, Erykah Badu e o meu ‘Dias mais tranqüilos’.

Posso, é claro, discordar de uma abordagem ou outra em algumas reportagens. Mas, no geral, a linha editorial da revista merece aplausos por não reservar um espaço mínimo aos independentes como fazem alguns veículos que mantêm apenas uma página ou seção para quem não está ligado a uma grande gravadora, que mais parecem um curralzinho para não-famosos. A Rolling Stone parece, na medida do possível, dosar bem a relevância dos artistas, seja por sua exposição em festivais ou sites, seja pela qualidade dos seus trabalhos. É a prova de que dá para tratar os independentes como o que eles são de fato: artistas.

O outro belo exemplo vem aqui de Brasília. Desde que assumiu a direção da rádio pública Cultura FM, Marcos Pinheiro colocou no ar uma programação que emenda, de forma natural, Johnny Cash, Bob Dylan e Mallu Magalhães; ou Superquadra, CSS e Peter Bjorn and John. Há lugar também para MPB e um bando de outros estilos. E o melhor: um grande espaço para os artistas locais, dando chance de o público interessado descobrir a produção feita na própria cidade.

Às vezes fico me perguntando o quanto as rádios comerciais não poderiam ganhar ajudando alguns artistas a obterem projeção local, podendo depois ter esses mesmos artistas, de forma bem barata — pois os cachês não seriam astronômicos nem haveria custos com passagens —, tocando em eventos promovidos pelas mesmas rádios. Parece que seria o bom e velho todo-mundo- ganha, mas sei lá, o sábios executivos devem ter uma resposta pronta para essa indagação.

Mas, enfim, esses dois exemplos deixam a certeza de que é possível direcionar um veículo que trabalha com música de forma livre, sem amarras, adotando critérios como qualidade e relevância; e não apenas o dos jabás e do poder econômico.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Mais eu na Trama Virtual

O pessoal da Trama Virtual se entusiasmou com a versão que fizemos (eu e meus comparsas) para 'Eu quero envelhecer', do Watson, que recenetemente disponibilizei para download na minha página lá.

Eles incluíram a versão no podcast deles, que você ouve aqui, e se animaram a fazer um 'Impressão Digital' comigo (aquelas perguntas tipo bate-bola da Marília Gabriela). Esse vocês conferem aqui.

Legal esse pessoal da Trama. Só não vou comentar o fato de um deles (mais um!!!!) ter achado que 'Eu quero envelhecer' é minha melhor música. Maldição!!!!!!

:-)

A dor e o prazer de viver

A palavra-poema que ilustra a capa, permitindo a leitura de "sou nós", dá a pista: em sua estréia solo, Marcelo Camelo fala de solidão e individualismo. E, ao mesmo tempo, de encontros.
Em 'Sou', o cantor e compositor parece seguir uma jornada de volta ao prazer de viver.

O começo é sombrio, lento. A primeira faixa, 'Téo e a gaivota', é introduzida por pausas longas, quase jazzísticas, para que a voz grave e noturna de Camelo anuncie: "Toda a dor repousa na vontade / todo amor encontra sempre a solidão". Nessa e nas próximas duas músicas, ele cantará o sofrimento que vem do desejo, da ausência (afinal, "tudo passa") e da solidão, que às vezes parece maior que tudo — "Lá vai Deus sem sequer saber de nós / saibamos pois / estamos sós" ('Saudade').

Como que cansado da escuridão, o artista percebe, em 'Doce solidão', que pode até estar só, mas é de todo mundo. A canção antecipa a singela e emocionante 'Janta'. O fim faz parte da vida e o "não dá" é um dos riscos do amor. Fazer o quê? Viver. "Eu ando em frente pra sentir saudade."

Depois da epifania de 'Janta', que tem participação de Mallu Magalhães, tudo ganha mais sol e alegria. Enquanto descobre o encanto de moças ('Menina bordada') e o bom papo dos velhinhos ('Copacabana'), Camelo passeia por cirandas, sambas, marchas de carnaval e batuques regionais. E lança festividade naquilo que começou introspectivo.

A produção é esmerada ('Santa chuva', já gravada por Maria Rita, aparece bela com arranjo de violão e cordas), os músicos (que incluem a banda indie Hurtmold e Dominguinhos) trazem riqueza aos arranjos e Camelo se consolida como um dos grandes compositores da música jovem brasileira. Uma obra tão boa quanto a vida.

*Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, 25/9/2008.

domingo, 14 de setembro de 2008

Deu também na...

Leiam a resenha sobre o disco 'Dias mais tranqüilos' publicada na seção Guia da edição de setembro, assinada por Rodrigo Arijon. Cotação: 3 estrelas.

Poeta indie de Brasília segue desacelerando em segundo disco

Há alguns anos, Beto Só não era sozinho. Com Os Solitários Incríveis, foi destaque do folk rock brasiliense com hits como 'Isadora' e 'Poema Rejeitado'. Surgia então um possível sucessor do Legião Urbana. Em carreira solo, a perda da coletividade refletiu-se em uma pegada menos roqueira, focando em letras ainda mais intimistas. Neste seu segundo álbum, Beto segue a busca por versos simples e intensos sobre o coração e o cotidiano, com instrumental e melodias mais bem elaboaradas e precisas. De início, ilustra a carreira indie em 'Vida Boa Não É Vida Ganha' ("O caminho é longo / mas não tenho pressa"), irresistível vestígio da fase anterior. Delicadamente raivosa, 'Abre a janela' é 'Perfect Day' com segundas intenções. A tristeza do bardo do cerrado predomina, mas as guitarras surgem no decorrer do disco, que se encerra com a otimista 'Com Leite e Café'. Haverá previsão de sol para Beto Só?

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Convite para domingo

Amigos, convido vocês a assistirem, no próximo domingo (14/9), o programa Cênicos, apresentado pelos jornalistas Sérgio Maggio e Daniela Paiva. Vai ser apresentada uma entrevista comigo. Rola também um bate-papo sobre o rock em Brasília, do qual participaram o diretor da Cultura FM, Marcos Pinheiro; o vocalista da Superquadra, Cláudio Bull; e a Fernanda Popsonic, do Lucy and the Popsonics.

Cênicos vai ao ar às 20h, no canal 11 da NET e no canal 48 da Mais TV.

Abraços.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Hay que endurecer... ou Watson cospe bonito

Dia desses ouvi de novo uma velha frase: “os ignorantes são mais felizes”. Na época em que eu achava que sabia demais, costumava concordar. Hoje, me parece que poucos poderiam dizer isso sem parecer arrogantes pra cacete. Fiquei incomodado e pensei por que quem diz isso está errado. Sem me dar conta de que iniciava um exercício de associação livre, lembrei de Che Guevara. Duvido que ele tenha ficado infeliz quando foi tomando consciência da realidade social da América Latina. Resolveu agir, pensei. Certamente, a utopia o encheu de vontade, preencheu sua existência. O pouco que sei sobre Che me fez ver que a infelicidade não repousa no conhecimento. Repousa na paralisia.

É triste quem fica parado, concluí, enquanto ia para o trabalho a bordo de meu velho Escort. A associação livre continuou e cheguei ao Watson e sua bacaníssima ‘Emitivi apresenta’, a música mais bem cuspida que vi surgir entre os independentes recentemente. E saquei: não é à toa que gosto tanto dessa canção.

É impressão minha ou estamos ficando muito domesticados? Será que o medo de ficarmos de fora dos poucos espaços que essas super-estruturas nos reservam – como uma espécie de cota para pobres coitados que sonham com a fama – faz a gente preferir não ter senso crítico? Ouvindo a música do Watson, que vocês baixam aqui, concluí que sim. Muito mais que ingênua, a canção é necessária e corajosa. Há que se lutar pelo rock. Pelo rock, o estilo musical? Não, pelo rock-postura-perante-as-coisas.

De que adianta ser independente, roqueiro, e ficar babando o ovo de quem não nos oferece nada que preste? Pra que correr atrás dessa babaquice Rio-de-Janeiro-posso chegar-na-Globo, se outro caminho está aí, se escancarando na nossa frente? Pra que puxar saco de galerinha de metrópole incapaz de olhar além de suas fronteiras?

“Rir de mentira pra empresário”? Palmas para o Watson, que lembrou que tem voz pra falar, dedo indicador pra apontar e botão de foda-se pra ligar. Valeu, Watson.

A letra:

Quando começa a cortejar
Rir de mentira pra empresário
Babar o ovo do Faustão
Sair em foto calendário

Você vai dar uma entrevista
E para o meu incrível choque
Já foi dizendo pra revista
"Eu semrpe lutei pelo rock"

Você não luta pelo rock
E é bom que disso se toque
Você não luta pelo rock

Quando começar a namorar
Filho da indústria musical
Chapar em casa de global
Pra onde foi sua moral?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Na Trama Virtual

A Trama Virtual publicou hoje uma entrevista comigo, falando do disco novo. Bem legal, o texto começa assim:

"Misturar temáticas adultas – aquelas que falam firme na cabeça de quem já passou dos vinte e pouquinhos – com música boa é raridade no Brasil.Veterano, Beto Só faz parte do reduzido grupo de artistas encarregados de enviar a nós as notícias, ou os sinais, desse mundo esquisito que se monta depois da euforia adolescente. Um mundo em que as festas tendem a ser substituídas por silêncios, crises e resoluções de vida".

Pra ler o resto, é só clicar aqui.

Disputa pela Casa Branca

Quando ainda rolavam as convenções democratas nas quais Hillary Clinton e Barack Obama disputavam a chance de concorrer à Casa Branca, eu assistia a tudo com a certeza de que aquilo pouco importava. O vencedor seria John McCain, eu jurava.

Fã de Morrissey, fui alertado, ainda na época do CD 'You are the Quarry', que os EUA são um país onde "o presidente nunca será negro, mulher ou gay", como o mestre canta em 'America is not the world'. Assim, para mim, Hillary e Obama estavam fora do páreo.

Mas aí a revista Blender pergunta aos dois principais candidatos à sucessão de George W. Bush quais suas 10 canções prediletas. A primeira na lista de McCain? 'Dancing Queen', do ABBA!

Morrissey não pode mais ser a base das minhas análises sobre as eleições americanas...

sábado, 16 de agosto de 2008

Pílulas (pequenos fatos dignos de nota)

Pagando a garagem em um shopping de Brasília, sou interrogado pelo simpático senhor que trabalha ali como caixa: "Você não é cantor?" Enquanto eu me perguntava se era mesmo comigo que ele falava, minha namorada, também espantada, diz: "É sim". E o senhor: "Eu andei lendo sobre você. Fiquei curioso para ouvir".

Nunca foi tão legal presentear alguém com um disco meu. :-)

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

E se não formos mais do que já somos?

Um grande jornalista que tenho o prazer de conhecer me contou uma história bacana. Quando ele trabalhava como editor do caderno cultural de um jornal aqui de Brasília, foi ver um show de uma banda iniciante no Pamonhão Kalu, boteco da Asa Norte. Gostou das músicas e principalmente das letras. Depois do show, ficou impressionado com a erudição do vocalista, que na conversa citou até Kierkegaard. No dia seguinte, chegou à redação do jornal e anunciou: "Esta banda vai ser capa do caderno". Os seus superiores perguntaram se ele tinha certeza e, empolgado, disse que sim, que os caras mereciam. Quando o jornal saiu, figuras ainda mais bem colocadas na hierarquia da empresa jornalística acharam aquilo um absurdo. Capa para desconhecidos? O grande jornalista quase foi demitido. A chave de ouro para a história vem agora: os desconhecidos eram Renato Russo e sua trupe.

Essa história ouvi já faz algum tempo. E sempre me perguntei que lições tirar dela. Hoje, gosto de fazer perguntas a partir dela. É somente o fato de os desconhecidos terem feito sucesso que mostra que esse jornalista estava certo? Ou nosso herói continuaria tendo razão caso a Legião Urbana não tivesse se transformado naquilo tudo que virou?

O que quero dizer com as perguntas é: a qualidade de Renato Russo seria maior ou menor caso não tivesse feito sucesso? Claro que não. Nosso jornalista teria menos motivos de se orgulhar da aposta que fez em desconhecidos? Certamente a história não teria a graça que tem hoje, mas ele continuaria coberto de razão. Porque o jornalismo cultural, me parece, tem de falar do que é bom, e não se preocupar em acertar o que vai "dar certo". O jornalismo cultural tem de falar do que já é, e não listar as grandes "promessas".

Isso sempre foi assim. Mas essa percepção se torna muito mais urgente hoje em dia. A pulverização das fontes de informação, dos canais de música e das maneiras de se tocar uma carreira fez todo o modelo de consumo musical ruir. Isso já sabemos. Mas o velho vício de tratar artistas não famosos como artistas promissores, que podem estourar e serem grande coisa, ainda persiste. E daí, vem a pergunta fundamental: E se não nos tornarmos mais do que já somos?

Os canais independentes parecem permitir que tenhamos com os artistas uma relação totalmente nova. Eles poderão ser caras que valem a pena serem ouvidos, discutidos, criticados e debatidos mesmo sem chegarem às grandes massas. Num tempo em que o número de cópias vendidas para tornar um CD disco de ouro teve de ser abaixado para 34 mil, a diferença entre os grandes artistas e os independentes é cada vez menor. Por que, então, continuar tratando estes como promessas de um dia se tornarem aqueles? Sinceramente, não vejo motivos para isso. Acho que os independentes serão independentes e pronto. Não são uma promessa. São o que são.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Pílulas (pequenos fatos dignos de nota)

De um colega de jornalismo que há tempos não via: "Olha, vou ser sincero. Nunca gostei muito das suas músicas. Mas aquela 'Eu quero envelhecer' é boa mesmo".

NdoA: 'Eu quero envelhecer' é a única música que gravei que NÃO é minha. É do Watson.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Deu no Rock Press...

"Beto Só é um raro exemplo de cantor/compositor nacional, cheio de influências legais (que vão de Eliott Smith a Nei Lisboa) e com uma peculiar tendência de ser honesto no que canta. Suas letras e músicas são retratos de toda uma geração que vaga pelas cidades em busca de amor, paz e compreensão, artigos de luxo na modernidade vazia. Beto usa o instrumental de baixo, bateria, guitarra e teclados esparsos para emoldurar suas diatribes, como a sensacional 'O Tempo Contra Nós', lançada em single no ano passado, na qual ele diz 'corre o tempo contra nós, quase que perco você, o mundo tão veloz, tenta nos separar'. O disco está cheio de bons momentos e é um alento ouvir algo tão legal num tempo em que o pop rock brasileiro é tão raro quanto os sentimentos que Beto Só persegue. Ouça: 'O Tempo Contra Nós', 'Meu Velho Escort'."

> Hum, se não acredita, vai lá no site. Outras resenhas disponíveis

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Críticas de 'Dias mais tranqüilos'

Saíram algumas críticas legais sobre o disco novo. Abaixo, a do Tiago Faria, no Correio Braziliense. Mais abaixo, os links para vocês lerem as outras.

Depois do temporal
Tiago Faria (Correio Braziliense)
Logo no título, ele promete dias tranqüilos. Mas, três anos depois de expurgar tristes canções de amor em ótima estréia (Lançando sinais), Beto Só retorna com um álbum que sugere melancolia mesmo quando força o sorriso. "Sombras e nuvens, nunca mais", ele avisa, em Com café e leite. Que ninguém leve ao pé da letra o elogio à serenidade. Como um primo brasiliense de 4, do Los Hermanos, este é um disco de frágil placidez – um desconfiado suspiro de alívio depois de um longo temporal.
"Sou todo medo, mas metade sou coragem", admite, em Vida boa não é vida ganha. O auto-retrato, esse sim, soa sincero e preciso. Em Lançando sinais, Beto impressionava como um autor de melodias maduras para versos inseguros – um pop introspectivo, de forte carga confessional. Sem o efeito-surpresa provocado pelo trabalho anterior, Dias mais tranqüilos prefere a conquista lenta, sutil. O discurso faz o possível para evitar a agonia juvenil de Isadora e Meus olhos, mas não descamba em marasmo.
Em um texto de blog, Beto elegeu O vencedor "a canção mais importante dos anos 2000". O hit do Los Hermanos funciona como um guia eficiente para Dias mais tranqüilos. "Levo a vida devagar pra não faltar amor", cantava Marcelo Camelo. A filosofia parece mover este renovado Beto Só, que a reforça com um cauteloso grito de guerra em Vida boa não é vida ganha: "O caminho é longo, mas não tenho pressa".
Para um álbum que abre e fecha em clima otimista, o velho desespero escorre em canções como Meu velho Escort e Abre a janela. "Mais um falso início, e só vento em minhas mãos", lamenta Beto em O espaço de nada, uma das recaídas cruéis do disco. Como narrador de tragédias amorosas, ele continua afinado. Mas é nos trechos menos sombrios que se arrisca de verdade. Aí, não falta coragem. A gentileza de Todos logo ali, Os dias mais tranqüilos e Com café e leite parece até homenagem ao Renato Russo ensolarado de O descobrimento do Brasil (1993). "Vamos sair pra ver o sol", conclama.
Para reforçar as nuances do letrista, os teclados de Tiago Ianuck e o violoncelo de Ataíde Mattos acrescentam uma gama de detalhes a baladas levadas em guitarra, violão e piano, tratadas sem grandiosidade pela produção de Philippe Seabra (o piano delicado de Desatento, à Elliott Smith, é ponto alto). Até a capa do álbum, reprodução de obra de Cecília Mori, colabora para a atmosfera de um período de estiagem, com céu colorido e árvores secas. "E se chover, pode deixar. Deixa cair se é pra limpar", conclui Beto. Cada vez mais solitário no entardecer da capital do rock, ele segue em frente.
Outras críticas
> Jornal do Estado (PR) // "Um episódio brilhante da música alternativa brasileira." Ler
> Site Alto Falante // "Um disco com uma ternura e inconformismo que soam verdadeiros." Ler
> Blog Coisa Pop // "Com 'Dias Mais Tranquilos', Beto Só, além de consolidar sua carreira com um bonito trabalho, faz um disco que alimenta não o coração, mas a alma." Ler
> Blog De Inverno // "Um disco pra se curtir do começo ao fim, e que mostra que, longe dos hypes vazios e das figurinhas carimbadas de sempre, existe sim vida inteligente e música de primeira categoria feita por gente de verdade nesse Braziú!" Ler

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Carinho

Porra, os meus amigos são foda! Texto do Rinalds que ele manteve mocosado e que só hoje descobri, graças ao Google...

Beijo, Rinaldo.

domingo, 13 de julho de 2008

Renato Russo e Picasso (sem trocadilhos)

Não é pouca gente que tem uma análise, teoria ou crítica sobre Renato Russo. Mas dias desses comecei a pensar em uma tese que me pareceu um pouquinho original, a ponto de arriscar dividi-la com vocês. Antes, porém, devo explicar que aqui em Brasília parece haver três tipos de roqueiro (com ou sem banda) — os que desprezam totalmente o Renato; os que acham o começo da Legião legal, mas a partir do quarto ou quinto disco a coisa foi ficando ruim; e, por fim, os que acham o cara tão foda que não conseguem sair da sombra dele.
Calma. Se você não se sentiu representado por nenhuma das categorias, digo que eu também não me sinto. Eu gosto pacas de Legião. E continuei gostando mesmo nos discos finais. ‘Meninos e Meninas’, ‘Teatro dos Vampiros’, ‘Vinte e nove’ figuram entre minhas músicas prediletas da banda, ao lado ‘Geração Coca-Cola’ e ‘Tempo Perdido’. Mas devo dizer que sempre me senti um estranho na minha turma, formada por caras que ou não dão muita bola pra Legião ou só curtem o começo.
Minha teoria parte da idéia de que o Renato não seria tão popular se ele não tivesse dado a guinada que deu a partir do ‘Quatro Estações’. Tudo bem, ele já tinha feito ‘Eduardo e Mônica’. Mas nos quarto, quinto e sexto discos ele arrisca uma poesia tão cotidiana que assustou de montão os roqueiros. Falo de versos como "Me empresta um par de meias e a gente faz uma feijoada", ou "Deixo a onda me acertar", ou "Acho que gosto de São Paulo e gosto de São João", ou ainda "Ela me disse que trabalha nos Correios e que namora um menino eletricista". Não me esqueço do dia em que, depois de ouvir o ‘V’ e ter achado ‘Vento no litoral’ meio brega, abri a janela e vi o rapaz que lavava os carros lá de casa todo feliz cantado a tal canção, que tocava na rádio que ele costumava ouvir (também brega para mim).
Bruno Golemvsky, ator que encarnou Renato na peça teatral sobre a vida dele, disse uma vez que o líder da Legião podia ser um artista cult, mas quis ser popular. Ele mandou bem demais quando falou isso. Porque o lado popular de Renato foi mesmo uma opção. Ele já tinha demonstrado erudição e capacidade de compor versos complexos, mas decidiu mudar. Nenhum outro roqueiro brasileiro foi tão ousado como Renato, nem tão bem sucedido ao promover uma guinada na forma de compor.
Mas só pode fazer isso quem já acumulou muita bagagem. Renato leu, consumiu muita música, era íntimo da obra de grandes autores. Por mais que ousasse, não corria o risco de regredir e escrever algo de má qualidade. Um equívoco aqui outro ali, é claro, podiam acontecer. Mas ele havia estabelecido uma capacidade tamanha de escrever letras de canções que conseguiu produzir versos simples, mas nada simplistas.
Quando ouço as músicas da fase final da Legião, além de me inspirar a escrever de forma cada vez mais cotidiana, lembro daqueles vários esboços, complexos pacas, que Picasso fez de um touro até chegar à forma final, composta de cinco linhas. No final, Renato parecia compor assim. Economizando nos traços, mas não no significado de suas canções.
PS: Pros desafetos que pensaram que me encaixo no terceiro tipo de roqueiro brasiliense, que não conseguiu sair da sombra de RR, só tenho uma coisa a dizer: vocês estão enganados.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

'O Vencedor'

O site Senhor F publicou recentemente a lista dos 50 discos mais legais da cena independente desde 1998, ano em que a revista foi criada e esta cena independente, como está hoje, estava também começando. Na chamada de capa da matéria especial, um disco que certamente merece o destaque: ‘Bloco do eu sozinho’, do Los Hermanos. Ver isso – lista e destaque para o ‘Bloco...’ – me deu a idéia de propor uma outra relação, a das 50 músicas mais importantes. E aí já queria também sugerir a inclusão de uma canção, essa também dos barbudos, mas presente no disco seguinte, ‘Ventura’.

Podem argumentar que incluir ‘Bloco’ numa lista de independentes ainda dá, afinal o disco simbolizou uma luta que, aparentemente, não fazia mais sentido para a geração estamos-felizes-da-vida-com-o-controle-da-inflação. Mas a banda do Rio, naquele momento, mostrou que era fundamental e, mais, mostrou que era viável brigar pelo direito de fazer arte, lançando um disco que não tinha nenhuma outra ‘Ana Júlia’, mesmo que fosse isso que a gravadora esperasse. Quicados da gravadora, conquistaram milhares de novos fãs e viraram a banda mais legal daqueles anos. Já ‘Ventura’, podem continuar argumentando, já foi um disco de banda estabelecida, de bem com uma major, mainstream. Como pinçar desse disco uma música para uma lista de independentes?

Eu respondo dizendo que ‘O Vencerdor’ fala muito sobre o que representou o disco anterior. É a canção mais importante do rock nos anos 2000 e nada é mais independente do que é cantado ali.

Assim como a briga para lançar o ‘Bloco’ mostrava que a nossa geração precisava ficar esperta para a arte continuar fazendo sentido, ‘O Vencedor’ nos aclarava a pressão por sermos vencedores e deixar o amor, o prazer, a vida para lá. E fazia isso de um jeito bacana, dizendo que ser o tal do vencedor não era assim essa maravilha, pelo contrário. Propunha uma vida “devagar, pra não faltar amor” e pregava que juntássemos as mãos ao nosso redor, fizéssemos o melhor que fôssemos capazes para vivermos em paz.

É o tipo de canção que pode inspirar novas visões de mundo e, melhor, dar mais forças para buscarmos nossos sonhos, que não necessariamente nos levam ao posto de vencedores, mas a uma vida bacana, boa, com paz e amor. Não há motivo maior para se orgulhar do que saber que você fez o seu melhor e continuar tentando fazer isso, junto com quem tá do seu lado, pra coisa ficar mais forte e mais gostosa. E se esse sentimento não te atinge quando você está na cena independente, acho que na verdade você está fora de cena...

Quando ouvi essa canção pela primeira vez, me senti em um daqueles momentos legais da história em que as músicas que estão nas paradas de sucesso realmente têm algo a dizer para uma porção de gente. Ir aos shows e poder cantar “E eu que já não sou assim muito de ganhar / Junto às mãos ao meu redor / Faço o melhor que sou capaz / Só pra viver em paz” era exorcizante. Ainda é. Por isso meu voto está dado.

terça-feira, 29 de abril de 2008

A música que ninguém ouve

'A vida que ninguém vê' é o nome do livro que a jornalista Eliana Brum lançou em 2006, reunindo crônicas que escrevia tempos atrás sobre pessoas comuns e anônimas, no jornal Zero Hora. A leitura daqueles textos é cativante. São palavras poderosas, que imprimem singularidade a quem parece tão comum, como o carregador de malas do aeroporto ou o homem que pede esmolas deitado no chão da praça. Vidas que a gente só não vê, e só não valoriza, porque não quer, porque temos o olho treinado para ignorar o que parece não ser "importante".

Foi impossível não lembrar da proposta de Eliana Brum de dar importância àqueles que ignoramos quando fui assistir a 'Apenas uma vez', no original ‘Once’, filme de John Carney que deu o Oscar de melhor canção aos atores/músicos Glen Hansard e Marketa Irglova. O filme volta as câmeras para um cantor e compositor que trabalha com o pai consertando aspiradores de pó e apresenta canções famosas nas calçadas em troca de alguns trocados. De noite, quando quase ninguém mais está na rua, ele arrisca tocar as composições próprias e, assim, conhece a personagem de Marketa, uma vendedora de flores/faxineira e também compositora.

A partir desse encontro, surge uma parceria que leva os dois até o grande momento de suas vidas até ali — não, não se trata de um show para milhares de pessoas, como provavelmente terminariam os filmes de padrão americano, mas a simples gravação de um CD demo, junto com outros três músicos de rua. Quando o filme acaba, a obra daqueles dois compositores anônimos (o filme não nos revela como chamam os personagens principais) terá sido ouvida — além dos músicos — por apenas quatro pessoas: o pai do protagonista masculino, o assistente de gravação do estúdio, o dono de uma loja de instrumentos e o funcionário da financeira que empresta o dinheiro para a gravação (em uma das cenas mais legais do filme).

O que acontece com nosso herói quando ele se separa da parceira e parte para Londres com alguns CDs de suas músicas gravadas não sabemos. Podemos imaginar que ele conquiste algumas platéias um pouco mais numerosas em casas de show da capital inglesa, que obtenha alguns milhares de audições na página que deverá criar no MySpace, ouça suas canções em alguns programas específicos de rádio e mereça algumas linhas em revistas especializadas de música, mas precise sempre consertar aspiradores para viver.

Muito provavelmente é isso que acontecerá com ele, somos obrigados a pensar. Mas nem por isso, e o mérito do filme de Carney é justamente mostrar isso, sua arte será menor ou menos importante. A música que os dois compositores criam juntos já preencheu a vida de ambos e deverá conquistar outras pessoas, embalar corações e preencher almas, mesmo que sejam poucas almas. E isso já é muito.

Poucos filmes retratam tão bem o espírito de uma geração de artistas como 'Once' — uma geração que, mesmo precisando trabalhar com algo que não seja sua real vocação, não pára de compor e de fazer arte. Geração disposta a continuar criando aos 30, 40 anos de idade, e que assim, a seu modo, tem a coragem de exigir o impossível e se transformar, cada dia mais, em brilhantes e fundamentais artistas anônimos, falando para um público que sente estar ali, disposto a ouvi-lo, mesmo que seja difícil enxergar e reconhecer quem exatamente é esse público. Uma geração recheada de pessoas sensíveis soterradas pelas obrigações do dia-a-dia e que precisam da arte para falar o que pensam e sentem de verdade (reparem na bela e emblemática cena do ônibus na qual o rapaz só consegue falar de si mesmo para a moça inventando canções).

Ironicamente, foi ‘Once’ que fez Glen e Marketa, dois compositores anônimos de verdade, ganharem a fama mundial, recebendo um Oscar por uma das belíssimas composições que recheiam o filme (‘Falling Slowly’). Mas a “nobre” premiação, que parece a forma de Hollywood dar ao filme o final padrão com o qual está acostumada, só vem confirmar o que o diretor John Carney quer mostrar com sua fita: que a música que ninguém ouve é, apesar disso, a música que todos poderiam ouvir.

Como disse Glen ao receber a estatueta: “Make art! Make art!”

quinta-feira, 10 de abril de 2008

'Dias mais tranqüilos'

A imagem que vocês vêem aí do lado vai ilustrar a capa do meu novo disco, 'Dias mais tranqüilos'. Assim como no primeiro CD, escolhi uma obra de um artista plástico. Em 'Lançando sinais', aquarelas de Mário Barata deixaram o encarte do disco lindo de morrer. Agora é a vez de Cecília Mori, amiga e artista aqui de Brasília, me ajudar. A tela 'Sem Título' é de 2004, e quando comecei a pensar sobre a capa do novo CD, logo lembrei desse quadro, que tinha visto na casa de um amigo. Me pareceu perfeito para um disco de um compositor de Brasília e com esse nome ('Dias mais tranqüilos'). Quem já esteve em Brasília em maio ou junho e olhou pra cima sabe por quê. O céu fica laranja, rosa, azul e a grama ainda tá verde. É a época do ano mais bonita na cidade.

O disco teve pré-lançamento na Internet, com exclusividade, pelo MySpace. Quem quiser pode baixá-lo a partir de hoje até o dia 20 de abril. O CD físico, com a capa embelezada pelo quadro da Cissa e tudo mais, sai no final de maio, quando teremos um show especial bem bacana. Mas, por enquanto, vou ficar muito feliz com a visita de vocês lá no "meu espaço": www.myspace.com/betoso.


Abs!

segunda-feira, 10 de março de 2008

Um amigo vende seu sonho

O texto mais importante publicado na edição de sábado passado do Correio Braziliense não estava entre os assuntos selecionados para compor a capa do jornal. Tratava-se de um texto discreto, quase perdido entre tantos outros na seção de classificados: "Livraria completa – Mobiliada, ótimo ponto, clientela formada. Seis anos de história. 406 Norte."

Sim, era um anúncio publicitário, mas era mais importante que toda a informação jornalística vendida a R$2 nas bancas. A importância é algo difícil de definir. Mas seria algo tão diferente de interesse? Acho que não. O que importa é o que nos interessa, nos toca, nos comove, nos faz pensar nos rumos da nossa vida. E, por isso, o anúncio da venda da Esquina da Palavra me importa tanto. A Esquina, mesmo que alguém a compre e mantenha o nome, está deixando de existir. E posso garantir que a sensação que paira no ar é a de que nós — todos nós que nos apaixonamos pelo canto que Lourenço Flores inventou na 406 norte da "cidade sem esquinas" — estamos perdendo algo precioso.

Há mais de cinco anos, escrevi um texto sobre a Esquina. Eu dizia, e era a mais puras verdade, que acreditar na capacidade do Lourenço viver de sua livraria, que estava sendo inaugurada, me dava forças para acreditar que podia eu também a realizar meus sonhos. Por isso, o sonho de Lourenço ser vendido agora me põe a pensar no que no aconteceu, para onde fui, para onde estou indo. Ou, olhando lá do alto, para onde vão as pessoas aos 30 e poucos anos de idade.

Não é por acaso que semana passada vasculhei as estantes de casa em busca de ‘Idade da Razão’, romance de Sartre, um de meus livros prediletos. Como Mathieu Delarue, tenho 34 anos, e às vezes me pego pensando que "estou velho". Tempos atrás, seria capaz de transformar o fechamento da Esquina em um texto otimista. Provavelmente usaria alguma expressão (piegas?) como "novo começo" e tentaria dar forças ao meu amigo. Não consigo. É um episódio triste, não há lado bom, a não ser uma idéia racional de que é melhor abrir mão de um sonho do que se afundar em dívidas e assim plantar um futuro mais difícil do que este cruel presente. Eu e Lourenço estamos na idade da razão, e também todos os meus amigos mais próximos — alguns, meus mestres, já passaram dela, e me dão esperança…

Reconfortante, no entanto, é chegar a este ponto e ver que os delírios, os sonhos e os planos da época em que somos apenas moleques invocados em corpos de adultos são o amálgama das amizades que construímos com aqueles que realmente amamos. Aqueles que muitas vezes ficamos sem ver por meses, por causa do trabalho e do dia-a-dia corrido, mas estão sempre aqui, em nossos corações. E são esses sonhos e delírios também a raiz da recusa, embora hoje acompanhada de uma precaução racional, de abdicar completamente dos projetos que nos dão prazer e sentido à vida.

Lourenço será sempre meu amigo. E a Esquina sempre será o sonho que tornou nossa amizade mais forte. Não foi, portanto, um sonho em vão.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Ao vivo

Vídeo da gente tocando 'Meu Velho Escort', no show da última quarta-feira:

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Rock brésilien!

Amigos, vale a pena baixar a coletânea que a revista Senhor F fez em parceria com a revista Brazuca, editada na França e voltada para a comunidade de brasileiros que moram no país de Zidane e na Bélgica.

O Fernando Rosa, organizador, conhece muita banda independente e sabe como ninguém reunir canções em coletâneas - quem ouviu o CD 'Clássicos da Noite Senhor F', um dos mais vendidos na loja da Monstro, sabe disso.

Eu tô lá nessa nova seleção, chamada de 'O novo Rock do Brasil', com 'Meu Velho Escort', ao lado de outras bandas muitos legais, como Superguidis, Vanguart, China, Autoramas, Los Porongas e tantas outras. E é massa ficar lendo os releases em frânces. Edição bilíngüe, cheia de capricho!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Entrevista

O site Palco Vale publicou esta semana uma entrevista comigo. Vejam abaixo. Valeu mesmo, Erick!

Beto Só: uma nova fase mais tranqüila
Por: Erick Tedesco Gimenes

Palco Vale – Beto, em novembro de 2007 você lançou um novo single com duas músicas. Qual o sentimento que norteou a composição de "O espaço do nada" e "Meu velho Escort"?
Beto -
Vejo essas duas músicas como irmãs dentro do disco que quero lançar em março. O disco trata basicamente de três temas, que são o amor, ou os relacionamentos afetivos; a relação com o trabalho, com ganhar a vida e se sustentar; e o auto-conhecimento. Não se trata de uma ópera-rock, obviamente, mas eu tento no disco contar um pouco do que vivi nos últimos três anos, desde que compus as músicas do meu primeiro CD, Lançando Sinais. E o que basicamente aconteceu na minha vida foi uma busca por resolver bem essas três questões vivendo num mundo cada vez mais veloz, agitado, indefinido. Essas duas canções tratam do auto-conhecimento. "Meu velho Escort", que deverá vir antes no disco (provavelmente será a faixa 4), trata sobre a dificuldade de se relacionar quando estamos deprimidos, sem norte e resistimos a olhar para nós mesmos, porque os relacionamentos exigem que você se exponha e acabe tendo de pensar um bocado sobre como você é. Fala sobre a solidão como fuga, uma forma de evitar se conhecer. É aquela solidão do deprimido e não a "sozinhês" de quem se afasta para poder se conhecer melhor. Já "O espaço de nada" parece um passo adiante. É quando eu reflito sobre tudo que deixei de fazer na vida e como pago um preço alto por isso. Cada coisa não feita vira um peso. É uma tomada de consciência dolorosa, mas necessária. No disco, "O espaço de nada" é a oitava faixa, logo antes de "Os dias mais tranqüilos", a música que dá nome ao disco. Mesmo que pareça triste, é uma canção que anuncia dias melhores, porque representa a tomada de consciência, essencial para que mudemos nosso padrão de comportamento e sejamos mais felizes.

Palco ValeO single foi lançado apenas em formato virtual ou também é possível tê-lo em CD físico? Você é um músico adepto do download livre de arquivos na Internet, não?
Beto -
Nesse caso lançamos só pela Internet, porque o disco está bem perto de ser lançado. É uma forma de fazer com que as pessoas já conheçam algumas músicas quando o disco sair. E por causa do investimento no disco não teria dinheiro para prensar cópias físicas agora. Quanto à troca de arquivos, "adepto" é a palavra. Porque o download, pra mim, é uma realidade, não se trata de defender ou atacar a troca de MP3. Pra mim, essa troca fácil de arquivos favorece nossa relação com a música. Posso descobrir coisas novas, conhecer bandas e artistas distantes. Pra mim, o que importa é ser ouvido. A indústria da música está em crise, mas não a música. A música vai muito bem e todos têm possibilidade de mostrar seu trabalho para alguns milhares de pessoas. Como não aderir ao MP3, à Internet? Existe hoje um movimento para que as pessoas se conscientizem e passem a pagar pelos downloads. Tenho a sensação de que esse movimento está na contramão histórica. Iniciativas como o download remunerado da TramaVirtual, em que empresas anunciantes pagam aos artistas em troca da exposição das marcas, e do Radiohead, que deixa a pessoa pagar o quanto ela quiser, estão mais de acordo com a nova relação das pessoas com a aquisição de conteúdo. Se pensarmos bem, essa coisa de conteúdo gratuito não é novidade. A televisão faz isso há décadas. Deixa a gente ver os programas de graça e retira sua renda da publicidade. Hoje, o artista que dificulta as pessoas de terem sua música está passando a seguinte mensagem para o público: "eu quero que você me dê seu dinheiro antes de saber se meu disco é bom ou não". As pessoas não aceitam mais isso. Elas dizem ao artista: "Me mostre sua música e se o que você tem a dizer realmente me tocar, serei seu fã, irei aos seus shows, comprarei sua camiseta e seu disco, mostrarei sua música para todos os meus amigos que poderão se tornar seus fãs também". Ora, as pessoas oferecem muito aos artistas quando resolvem ocupar seu tempo (e seu HD) o ouvindo. Não há mais atravessadores, é o artista em contato direto com um público pronto para recebê-lo. E estamos só no começo deste processo. Sem saber que isso seria possível, sempre sonhei com esse dia, em que não dependeria de executivos encastelados para ser ouvido.

Palco Vale"Como pode nada ocupar tanto espaço?" é uma daquelas frases que devem ser sacramentadas no mesmo milésimo de segundo depois de pensada. No seu caso, qual foi a inspiração para isso?
Beto -
Essa letra surgiu em poucos minutos, assim como a música. É uma dessas canções que simplesmente parecem surgir do nada e por isso é muito difícil explicar qual foi a inspiração. Mas certamente eu só escrevi isso porque penso muito sobre essas coisas. De certa forma, essa música se relaciona com "Guirlanda de Flores", do meu primeiro disco, em que digo que "acontece tão pouca coisa na minha vida porque eu penso demais". Mas eu ainda precisava voltar ao tema, falando do peso que é não realizar as coisas que você gostaria de realizar. Acho que todos nós sentimos esse peso, ele está ali, impalpável, mas fazendo nossos ombros doerem e se dobrarem. A inspiração vem da vida e acho que a frase é bem bacana para uma canção que quer falar sobre isso. Como a frase apareceu eu não sei. Só sei que foi assim que ela surgiu quando comecei a tocar violão e tentar cantarolar algo.

Palco ValeO maravilhoso de suas músicas é que não dá para dizer que são apenas melancólicas, pois dependendo da óptica, é possível captá-las como músicas que ainda transmitem um futuro sem as amarras do passado sofrido. É desde modo que você de fato trabalha suas canções?
Beto -
Sim! Fico muito feliz de ouvir você dizer isso. É o que falei sobre "O espaço de nada". Ela pode parecer uma música triste, mas dentro do disco ela anuncia os dias mais tranqüilos. Encaro a tomada de consciência, o contato com a realidade, como uma das melhores coisas que podem acontecer com a gente. A verdade é libertadora porque nos apresenta a vida como ela de fato é e nos diz: "agora você pode viver". E acho que todas as minhas músicas de certa forma falam sobre a busca da verdade libertadora. São músicas otimistas na minha opinião, só que realistas ao mesmo tempo. E a realidade, você e eu sabemos, é dura. Viver é difícil, mas é uma delícia. Por isso eu resgatei uma música antiga, da época dos Solitários Incríveis, para abrir o disco, "Vida boa não é vida ganha".

Palco ValeO segundo álbum também será intimista como este single?
Beto -
Acho que sim. É um retrato do que vivi nos últimos anos, uma reflexão sobre a vida moderna e a busca pela felicidade nesses tempos atuais. É bastante intimista, como tudo que faço. Não sei fazer de outra forma.

Palco Vale Já intitulado Os dias mais tranqüilos, o que pode nos adiantar sobre o novo álbum, em relação às gravações, andamento musical, arte gráfica, etc.?
Beto -
O disco está quase pronto. O Philippe Seabra produziu e gravou e o Gustavo Dreher está mixando as músicas. Quanto à parte gráfica, ainda não sei como será. No primeiro disco eu tinha uma idéia clara do que queria, mas esse disco ainda não sei como ilustrar. Vou confiar no André Ramos, que também fez a capa do primeiro, e deixá-lo livre para criar. Acho que será um disco um pouco mais variado musicalmente que o primeiro, mais rico. Isso é resultado de uma vontade minha e do fato de o Bruno Sres, um guitarrista muito criativo, ter se juntado à banda no processo de arranjos, o que trouxe novas idéias e sonoridade pras músicas. Pessoas em quem confio muito dizem que este disco está melhor que o Lançando Sinais, mas eu não sei. Ainda estou inseguro e muito curioso sobre o que as pessoas vão achar.

Palco ValeOutra novidade é o blog que mantém paralelo à sua carreira musical. Como está a experiência de abraçar esta nova e emergente tecnologia?
Beto -
O blog é uma forma de manter um canal aberto com as pessoas que se interessam pelo meu trabalho. Não consigo tocar em muitos lugares nem lançar um disco novo a cada ano, então é uma forma de manter contato com meu público, indicando outras bandas, falando de filmes, livros e o que der na telha. Além disso, gosto de escrever. É uma outra forma de refletir sobre a vida, me conhecer melhor. E o blog permite que eu faça isso tudo de uma forma muito prática. É ótimo.

Palco ValeComo foram as apresentações realizadas no final de 2007 e o que podemos esperar dos próximos shows de Beto Só e seus formatos de se apresentar ao vivo?
Beto -
No final do ano passado comecei a testar um novo formato de banda. Agora toco só com um baixista (o Rinaldo Costa), um baterista (Beto Cavani), e um guitarrista (o Ju, meu irmão e parceiro). A idéia é ter um formato mais prático para conseguir viajar mais e me apresentar em outras cidades, coisa que pretendo fazer bastante este ano. Tomara que seja possível. Acho que está funcionando bem. O som ficou mais coeso, mais enxuto, valorizando mais as canções. Estou muito feliz com minha nova banda!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Definição

"Hoje, as pessoas trabalham mais do que deviam, para comprar coisas que não precisam e exibir para pessoas de quem não gostam."

Amós Oz, escritor israelense, em entrevista no Programa Roda Viva da última segunda-feira.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O CDF se deu bem, bobões

Eu ainda estou no Orkut. Muitos amigos foram embora, outros simplesmente deixaram seus perfis lá às moscas, mas eu entro sempre, mesmo que sem muito entusiasmo. Acho que o Orkut percebeu que a coisa toda anda meio monótona e busca sempre criar umas novidades pra nos distrair. A melhor de todas, nem tão recente assim, mas fundamental para este texto, é a pesquisa interna, que te permite achar não só comunidades relacionadas à palavra que você digita, mas também usuários e postagens em comunidades.

Desde que descobri isso, sempre digito “beto só” lá e vou à caça de alguma referência a minha pessoa. Pois dia desses, vi uma menção a mim na comunidade do colégio Alvorada, no qual estudei todo o ensino fundamental, de 1ª a 8ª série. Não, querido leitor, não se tratava de nenhuma garota dizendo que ainda pensava em mim de vez em quando, nem de um antigo amigo buscando contato porque sentia minha falta. A mensagem era uma confissão de ódio, dita por um anônimo.


O tópico se chama “Confraria do porradobol”. Referia-se a uma espécie de rollerbol infanto-juvenil que os garotos da escola costumavam praticar. Todos entravam na quadra de esportes com uma bola de futebol e tentavam acertá-la, com fortes chutes, algum outro garoto. O jogador que tivesse o azar de ser atingido pela bola era surrado, com tapas, até conseguir encostar no pique, na maioria das vezes uma das traves de futebol.


Para muitos, imagino, a diversão estava no prazer de espancar alguém sem ser repreendido por isso, coisa que, confesso, nunca me agradou muito, e não estou aqui fazendo tipo. Para mim, o legal era a sensação de perigo. Eu sentia um frio na barriga semelhante ao de encarar uma montanha russa. Eu era um jogador cauteloso. Me esmerava mais em evitar a bola do que tentar chutá-la para atingir alguém. Ficava ali, atento, me colocando de forma a não ser atingido, escapando da bolada. Achava excitante.


Pois ao encontrar o tópico sobre porradobol no Orkut, descobri que o risco que eu corria era muito maior do que minha percepção infantil alcançava. Pelo que pude notar, eu era um alvo perseguido por alguns garotos. Vejam o que diz o anônimo em questão:


"Muito 10. Porradobol, demais. Estudei 82/90 e o porradobol eu lembro de 1982, 3ª série, no alvoradinha da 905/906 norte. Na hora do recreio. Eu lembro que tinha um CDF BETO (que hoje em dia faz parte de uma banda de rock Beto só e os solitários) e a galera era doida para acertar a bola nele bem longe do pique”.


Olha, devo confessar que não é muito legal ler algo desse tipo sobre mim. Mesmo que se refira a uma época em que eu tinha nove anos de idade. Mas depois de alguns segundos concluí que não estava de todo surpreso. Eu sempre soube, mesmo quando era criança, que muitos não gostavam de mim. A escola era um lugar um tanto ameaçador e sempre tinha uns marmanjinhos mais crescidos que gostavam de perseguir caras como eu.

Eu era odiado por eles porque era uma espécie de estrela para os professores. Eu era aluno nota 10, era escolhido representante de turma, as tias me adoravam. Bem nessa época da terceira série, fui selecionado para compor o seleto grupo de alunos que leriam as mensagens na festa de dia dos pais e – acho que isto deveria ser o mais irritante – me tornei alvo da paixão de Suzana, uma ruivinha de olhos verdes, bonita que só, escolhida para ser a garota propaganda do colégio em um comercial de televisão. Suzana foi gostar logo de mim, o gordinho CDF!

É claro que eu era criança e a atenção de Suzana era um transtorno. Eu ainda não pensava em meninas, queria ficar com meus amigos. Passei a fugir de Suzana como a gatinha foge de Pepe, lê gambá no desenho animado. Mas certamente isso devia irritar os outros garotos do fundo da sala. Tanto que um dia eles conseguiram me cercar e me atingir como não conseguiam no porradobol. Combinaram de ligar para minha casa, na hora do Jornal Nacional, um depois do outro, me questionando sobre por que eu não namorava Suzana. Recebi acho que quatro ligações na seqüência, todas constrangedoras. Perguntavam se eu não gostava de mulher. Eram cruéis. Mas tudo bem, eram crianças e se sentiam menores que eu... Fazer o quê?


Mas me saí bem, conversei com uma maturidade que eu mesmo não sabia que tinha. A um deles, perguntei: “Você namoraria alguém se não gostasse dela?”. “Não” foi a resposta e o papo acabou. Descobri naquela noite que era muito observado, mas não imaginava que gerava antipatia a ponto de ser um alvo no porradobol. Ainda bem que fui um jogador cauteloso e nunca precisei correr até o pique debaixo de tapas. Vocês não me pegaram, bobões. O CDF se deu bem.