segunda-feira, 10 de março de 2008

Um amigo vende seu sonho

O texto mais importante publicado na edição de sábado passado do Correio Braziliense não estava entre os assuntos selecionados para compor a capa do jornal. Tratava-se de um texto discreto, quase perdido entre tantos outros na seção de classificados: "Livraria completa – Mobiliada, ótimo ponto, clientela formada. Seis anos de história. 406 Norte."

Sim, era um anúncio publicitário, mas era mais importante que toda a informação jornalística vendida a R$2 nas bancas. A importância é algo difícil de definir. Mas seria algo tão diferente de interesse? Acho que não. O que importa é o que nos interessa, nos toca, nos comove, nos faz pensar nos rumos da nossa vida. E, por isso, o anúncio da venda da Esquina da Palavra me importa tanto. A Esquina, mesmo que alguém a compre e mantenha o nome, está deixando de existir. E posso garantir que a sensação que paira no ar é a de que nós — todos nós que nos apaixonamos pelo canto que Lourenço Flores inventou na 406 norte da "cidade sem esquinas" — estamos perdendo algo precioso.

Há mais de cinco anos, escrevi um texto sobre a Esquina. Eu dizia, e era a mais puras verdade, que acreditar na capacidade do Lourenço viver de sua livraria, que estava sendo inaugurada, me dava forças para acreditar que podia eu também a realizar meus sonhos. Por isso, o sonho de Lourenço ser vendido agora me põe a pensar no que no aconteceu, para onde fui, para onde estou indo. Ou, olhando lá do alto, para onde vão as pessoas aos 30 e poucos anos de idade.

Não é por acaso que semana passada vasculhei as estantes de casa em busca de ‘Idade da Razão’, romance de Sartre, um de meus livros prediletos. Como Mathieu Delarue, tenho 34 anos, e às vezes me pego pensando que "estou velho". Tempos atrás, seria capaz de transformar o fechamento da Esquina em um texto otimista. Provavelmente usaria alguma expressão (piegas?) como "novo começo" e tentaria dar forças ao meu amigo. Não consigo. É um episódio triste, não há lado bom, a não ser uma idéia racional de que é melhor abrir mão de um sonho do que se afundar em dívidas e assim plantar um futuro mais difícil do que este cruel presente. Eu e Lourenço estamos na idade da razão, e também todos os meus amigos mais próximos — alguns, meus mestres, já passaram dela, e me dão esperança…

Reconfortante, no entanto, é chegar a este ponto e ver que os delírios, os sonhos e os planos da época em que somos apenas moleques invocados em corpos de adultos são o amálgama das amizades que construímos com aqueles que realmente amamos. Aqueles que muitas vezes ficamos sem ver por meses, por causa do trabalho e do dia-a-dia corrido, mas estão sempre aqui, em nossos corações. E são esses sonhos e delírios também a raiz da recusa, embora hoje acompanhada de uma precaução racional, de abdicar completamente dos projetos que nos dão prazer e sentido à vida.

Lourenço será sempre meu amigo. E a Esquina sempre será o sonho que tornou nossa amizade mais forte. Não foi, portanto, um sonho em vão.