terça-feira, 10 de julho de 2007

Crítica de 'Dias mais tranqüilos'

Por Lafaiete Junior

A vida moderna pode ser mais fácil do que imaginamos, porém as obrigações e correrias do cada vez mais curto dia-a-dia não nos deixam perceber que as complicações, na maioria das vezes, são frutos de nossas mentes absortas. Mas o brasiliense Beto Só se apropria dos nossos questionamentos e incertezas e amores e raivas e trabalhos e cria deliciosas canções em seu segundo álbum, “Dias Mais Tranqüilos”. O disco apresenta uma seqüência de músicas que nos obrigam a fechar os olhos em meio a melodias tão singelas e afáveis, um carinho no peito.

Nesses dias cada vez mais curtos, as pessoas, além da procura por dinheiro, também buscam a felicidade. E Beto Só parece encontrar sua felicidade em canções sensíveis sobre dias poeticamente mais tranqüilos do que os dias daqueles que não conseguem encontrar em detalhes e até mesmo em incertezas cotidianas, alguns dos bons ensinamentos para vida. E essa feliz obra de Beto também pode ser creditada à feliz parceria com Philippe Seabra (produção e baixo), com a dupla dinâmica Gustavo Dreher (mixagem) e Thomas Dreher (masterização) e com os músicos Beto Cavani (bateria), Ju e Bruno Sres (guitarras) e Felipe Portilho (teclados), além do lançamento do álbum pelo selo Senhor F Discos.

Trabalhando com esse time de peso do cenário independente a seu favor, Beto Só tem uma base sólida para criar canções intimistas que parecem terem sido feitas sob medida para corações que anseiam por uma sensibilidade alheia pela qual se identifiquem. Talvez por isso a presença marcante de violões, que deixam tudo com um ar de enorme proximidade com o ouvinte, em canções com pegada pop que transcendem as barreiras musicais (se é que elas existem) do indie rock. Além dos violões, estão lá bons arranjos, belos efeitos de guitarra e melodias peculiares. Tudo servindo de suporte a letras com uma poesia afetiva e singela.

As letras de “Dias Mais Tranqüilos” funcionam como um baú empoeirado de sentimentos guardados. Sentimentos que se tornam saudáveis a partir do momento em que são musicados, transformados em canções embebidas pela atemporalidade do mundo da música, na qual os mais velhos e mais novos possam se identificar. Seja na pegajosa “Vida Boa Não é Vida Ganha” (um caminho é longo / mas não tenho pressa / nem tenho certeza / ... / até que eu encontre não me importo de errar / difícil é andar sobre o fio da navalha) ou na densa “O Tempo Contra Nós” (corre o tempo contra nós / quase que perco você / um mundo tão veloz / tenta nos separar / deixa ele tentar). Na quase on the road “Meu Velho Escort” (olho as horas passam lentas / bocejo um choro sem dor / sem alma não há dor não / ... / saio nas ruas e estou só / dirijo meu velho escort / pra mim quanto mais longe melhor) ou na sensual e crescente “Minha Doce Bailarina” (me faz lembrar da vida que eu tenho pra viver / me faz criar coragem / me faz sentir vontade).

A sensibilidade poética de Beto ainda permanece perceptível tanto na direta “Abre a Janela” (vê se me esquece / vê se não liga / vê se não volta / vê se morre) quanto na faixa título (vem aqui me iluminar / com seus olhos pequenos / me faz rir / e me ensina aproveitar os dias mais tranqüilos). Além de “Todos Logo Ali” (pára de ranger os dentes / de frear a própria vida / entra e fica em paz / com a gente) e de “Com Leite e Café” (vamos brindar / com leite e café comemorar / sentar ao balcão com gente de fé / depois trabalhar / e se chover / pode deixar / deixa cair se é pra limpar).

Em “Dias Mais Tranqüilos”, Beto Só expõe suas memórias e sentimentos de uma maneira espontânea e até mesmo bonita, tornando-se um quase baú do fundo do peito aberto em praça pública - ou pelo menos diante de amigos que estão dispostos a escutarem suas recordações e experiências de outrora. Transformando-o em um disco intimista sem soar chato e chorão. Um disco com uma ternura e inconformismo que soam verdadeiros. Bem como a consciência de que dias mais tranqüilos ainda virão.