sábado, 14 de julho de 2007

Lucas Pocamacha, um superstar para ser amado

A primeira vez que vi um show do Superguidis foi num Gate´s Pub longe de estar cheio. Devia ter umas 70 pessoas lá dentro. A atração principal eram eles, mas como ainda não tinham disco o público de Brasília não quis arriscar. O legal, no entanto, é que quem pagou pra ver saiu de lá muito, mas muito feliz. Showzaço. “Eles são que nem os Beatles”, falei pro Fernando Rosa, dono do selo Senhor F Discos, depois da apresentação, buscando uma definição imediata.

Fernando estava com a master do primeiro disco deles e planejava lançá-lo. Combinou tudo ali mesmo, depois do show, e ‘Superguidis’, o disco, saiu em 2006 para roubar a cena. Apareceu em todas as listas como um dos melhores discos independentes do ano e os garotos começaram a ser amados por todos nós, amantes do novo rock brasileiro. E confirmou minha sensação de que a banda era mesmo que nem os Beatles.

Os quatro guris de Guaíba (RS) são foda porque não têm só música boa pra mostrar. Quando você vai a um show deles, fica logo querendo ser amigo dos caras. Fica óbvio que são meninos legais e tudo que você consegue pensar é que eles merecem que coisas boas, como o sucesso, aconteçam para eles. Carisma pouco é bobagem e parece mesmo que estamos vendo os Beatles novinhos, cantando com aquela felicidade do início da carreira.

Daí você nota que cada um dos quatro parece saber exatamente sua função na banda e que parece estar muito satisfeito com ela. O Diogo fica lá, jeitão mais sério, com charme, tocando um baixo sólido e essencial. Marcos é um baterista que gosta de arranjos simples, como a banda pede, tem cara de bom moço e uma beleza capaz de transformá-lo no preferido das garotas que vão aos shows.

E daí tem Lucas e Andrio, a dupla de compositores que faz a banda ser fantástica como poucas, dona de um repertório forte e assoviável, longe do banal. Lucas sabe que não precisa cantar para aparecer um pouco mais. Deixa seus versos para serem berrados pelo amigo. Aí a dupla de frente fica sendo Andrio, um frontman com a melhor voz hoje no rock nacional, que dosa um ar contido com empolgação sob medida, e Lucas, o guitarrista que chacoalha os cabelos de um jeito juvenil adorável, para nos intervalos das músicas fazer comentários tão desengonçados quanto simpáticos.

Andrio e Lucas completam a fórmula mágica dos Guidis no melhor estilo Lennon e McCartney, capazes de compor músicas que se encaixam perfeitamente na banda, mas com estilos muito particulares. São capazes de gerar aquelas discussões saborosas sobre quem é o melhor compositor. E a gente sabe que, mesmo que defenda que um é melhor que o outro, pode mudar de opinião na próxima audição do disco.

E aí chegamos à explicação do porquê do título deste texto, que é minha forma de correr esse risco de ter de mudar de opinião amanhã ou daqui a algumas horas. Mas o fato é que depois de ouvir 'A amarga sinfonia do superstar', o segundo disco dos guris, não pude deixar de sentir uma profunda admiração por Lucas Pocamacha, que compôs quatro das 11 canções oficiais (sem contar a faixa escondida) do CD.

Em tempos de "amor líquido", quando as relações são encontros com um curto prazo de validade e nas quais nos esforçamos pra não nos mostrarmos frágeis ou dependentes demais, Lucas é um artista que ousa desnudar toda sua fragilidade e crença no amor. Suas canções são tocantes ao expor uma busca interior para conseguir se encaixar no mundo - e assim não ser um solitário -, mas sem abrir mão de sua personalidade - o que o empurra de volta para a solidão dos incompreendidos.

É dele os versos de 'Por entre as mãos', que abre o disco numa melodia maluca e emocionante:

"O teu dom de se esconder de mim
Só é menor do que o meu de não te achar
Odeio não me irritar com as coisas que, eu sei
Me irritam em você"

E também de 'Cheiro de óleo':

"Todo mundo cai, todo mundo escorrega
E todo mundo sabe que isso é normal
Menos eu e você"

Ouça:

Como um Charlie Brown (aquele criado por Charles Schulz) do rock contemporâneo, Lucas parece perseguir a felicidade, mas sabe que não abrirá mão dos seus valores para consegui-la de forma imediata. Se transforma num questionador, de si mesmo e do mundo - "sou vítima ou culpado?", parece se perguntar. E, assim, nos oferece em forma de canções toda a angústia daqueles que ousam desejar uma felicidade não superficial como a que o mundo parece nos impor para consumo imediato. Torna-se uma pessoa em dúvida, em conflito constante, o inadequado que consegue ver o mundo de uma forma única e poética, como poucos, mas sofre por isso.

tocando um baixo s com um certoamos vendo os Betles novinhos, cantando com muita felicidadeeçaram a ser amados por Suas músicas são resultado da inteligência emocional que provêm dos que não têm certeza de nada e assim nos ajudam a alcançarmos um entendimento sobre nós mesmos através da emoção. Trazem o complexo dos que não se sentem bonitos ou cool o bastante e, justamente por isso, tocam a todos nós, que parecemos condenados a não nos sentirmos nunca bonitos ou cool o bastante. Artistas especiais como Lucas sempre terão refúgio no rock e são aqueles que fazem com que este não morra. E por isso é meu compositor predileto dos Superguidis. Mesmo que eu venha a mudar de idéia daqui a pouco, depois de ouvir 'A amarga sinfonia do superstar' mais uma vez.