Abaixo a última 'carta gentil' publicada no antigo site. Curiosamente, recebi e-mails e algumas pessoas comentaram comigo nesses dias sobre ela, mesmo ela tendo sido escrita já faz um tempo...
Sobre a preguiça, chás de cadeira e o futuro
A pergunta voltou esta semana, nas páginas do caderno Brasília, que circula semanalmente no jornal Hoje em Dia: Por que nunca mais uma banda da capital estourou nacionalmente? Achei que a pergunta estava ficando ultrapassada, que deixaria de ouvi-la. Mas a repórter resolveu fazê-la de novo a bandas, jornalistas, produtores.
Algumas respostas foram muito próximas do que eu penso. A do meu amigo Fernando Rosa, a melhor: pelo mesmo motivo que nenhuma banda em nenhuma cidade estoura mais. Reforço o que ele disse. Vemos, cada vez mais, as (ainda, por quanto tempo?) grandes gravadoras se esforçando para manter os mesmos cinco ou seis artistas no topo das paradas.
Basta ver que a lista de melhores de um ano continua igual a do ano anterior. E, surpresa!, será igual a do ano seguinte. Refiro-me às listas dos “grandes” veículos é claro. Esses que estão no mesmo barco furado que as gravadoras. Que nem náufrago abraçado em bóia de navio, ficam se agarrando no seu esqueminha de jabá pra ver o que ainda podem pilhar do navio que vai por água abaixo. Pobres coitados, onde vão se esconder quando o dia raiar?
As bandas do meio independente que pensaram entrar no mundo cor-de-rosa das majors nos últimos dois anos se lascaram. Clipe, jabá em rádio, alguma exposição e pra onde foram L., L., MT.? Sumiram na névoa da falta de grana pra sustentar esse mercado falido e pulverizado, com um público jovem que sabe muito bem onde achar de graça a música de que realmente gosta. Rock, minha gente, é coisa de jovem urbano ou dos eternos jovens urbanos. Ouvir rádio, ficar esperando clipe bom passar na televisão e pagar por música pra essa galera é concessão cada vez mais rara.
Os brasilienses têm todo direito de desejar algo do que se orgulhar novamente. Mesmo que seja pra suprir essa necessidade besta de ouvir na praia, durante as férias, uma frase como “Você é de Brasília? Eu adoro Legião!”. Mas sonhar com uma nova Legião é o sonho errado. Os tempos são outros. E digo mais: são tempos melhores.
Sim, são tempos melhores mesmo que não produzam o novo Renato Russo. Estes são tempos melhores porque podem produzir o Renato Russo particular de cada um de nós. Aquele cara que você e mais alguns milhares ou centenas gostem de ouvir pacas e nunca vire um ídolo nacional como foi Russo. Mas que fale diretamente a você. As novas tecnologias nos condenam à liberdade de ouvirmos o que quisermos, independente do jabá. E isso não tem preço.
Então, nada contra a pergunta feita pela repórter. É uma boa linha de investigação. O que me deixa de cabelo em pé mesmo são as declarações de alguns entrevistados na matéria que insistem em comparar as bandas atuais com a dos anos 80. Alguns acham as bandas atuais preguiçosas. Que as bandas dos anos 80 eram trabalhadoras e por isso chegaram lá. Ahahaha!
Nunca, mas nunca mesmo, o lema “faça você mesmo” foi tão levado a sério. Festivais, selos, zines, turnês e sites são organizados e ganham espaço e fazem novos discos serem lançados a cada ano porque as bandas trabalham. Bandas duram cinco, dez anos sem apoio nenhum de gravadora. Por quê? Porque trabalham, bancam os custos de ensaio, gravação e prensagem de disco, carregam os equipamentos pra tocar, distribuem panfletos e cartazes, mantêm sites.
Outros, na reportagem do Hoje em Dia, chegaram a culpar a Internet pela acomodação das bandas. Uahahauahauahauahauahaua! (pros desinformados como o sujeito que disse isso no jornal, isso é uma gargalhada histérica na linguagem de Internet). Como recomendação para escapar da acomodação gerada pelo mundo virtual, ficou a dica para as bandas se mudarem para São Paulo e “tomar chá de cadeira nas rádios”. Uau!, acho que contratarei o autor dessa frase como consultor para minha carreira.
A Internet é simplesmente a responsável pela maior transformação que o mundo da música irá sofrer / está sofrendo. Ignorá-la é passar atestado de neolítico. O que as bandas de hoje sabem é que a Internet é um poderoso meio de comunicação que possibilita (e isso só vai ampliar enormemente a cada dia) você atingir diretamente seu público. Coisa que você nunca conseguirá fazendo o ridículo papel de pedinte de esmola em rádio comandada por DJs que só tocam o que está na folha de pagamento.
Estudiosos já prevêem a falência das rádios, por justamente terem ignorado o público mais jovem. Eles acreditam que as rádios não mais conseguirão atrair a geração que está crescendo ouvindo rádio por satélite e descobrindo música na Internet. Ao mesmo tempo, os especialistas apontam que o velho conceito de vender música já era. O que importa agora é você chamar a atenção em vez de se preocupar em vender. "Atenção é dinheiro", avisam. Cative seu público que o dinheiro vem. Essa é a nova ordem, que os indepentendes, esses “preguiçosos”, perceberam (talvez por que têm tempo de sobra, quem sabe?) melhor do que ninguém.
Viva o futuro!