quarta-feira, 13 de agosto de 2008

E se não formos mais do que já somos?

Um grande jornalista que tenho o prazer de conhecer me contou uma história bacana. Quando ele trabalhava como editor do caderno cultural de um jornal aqui de Brasília, foi ver um show de uma banda iniciante no Pamonhão Kalu, boteco da Asa Norte. Gostou das músicas e principalmente das letras. Depois do show, ficou impressionado com a erudição do vocalista, que na conversa citou até Kierkegaard. No dia seguinte, chegou à redação do jornal e anunciou: "Esta banda vai ser capa do caderno". Os seus superiores perguntaram se ele tinha certeza e, empolgado, disse que sim, que os caras mereciam. Quando o jornal saiu, figuras ainda mais bem colocadas na hierarquia da empresa jornalística acharam aquilo um absurdo. Capa para desconhecidos? O grande jornalista quase foi demitido. A chave de ouro para a história vem agora: os desconhecidos eram Renato Russo e sua trupe.

Essa história ouvi já faz algum tempo. E sempre me perguntei que lições tirar dela. Hoje, gosto de fazer perguntas a partir dela. É somente o fato de os desconhecidos terem feito sucesso que mostra que esse jornalista estava certo? Ou nosso herói continuaria tendo razão caso a Legião Urbana não tivesse se transformado naquilo tudo que virou?

O que quero dizer com as perguntas é: a qualidade de Renato Russo seria maior ou menor caso não tivesse feito sucesso? Claro que não. Nosso jornalista teria menos motivos de se orgulhar da aposta que fez em desconhecidos? Certamente a história não teria a graça que tem hoje, mas ele continuaria coberto de razão. Porque o jornalismo cultural, me parece, tem de falar do que é bom, e não se preocupar em acertar o que vai "dar certo". O jornalismo cultural tem de falar do que já é, e não listar as grandes "promessas".

Isso sempre foi assim. Mas essa percepção se torna muito mais urgente hoje em dia. A pulverização das fontes de informação, dos canais de música e das maneiras de se tocar uma carreira fez todo o modelo de consumo musical ruir. Isso já sabemos. Mas o velho vício de tratar artistas não famosos como artistas promissores, que podem estourar e serem grande coisa, ainda persiste. E daí, vem a pergunta fundamental: E se não nos tornarmos mais do que já somos?

Os canais independentes parecem permitir que tenhamos com os artistas uma relação totalmente nova. Eles poderão ser caras que valem a pena serem ouvidos, discutidos, criticados e debatidos mesmo sem chegarem às grandes massas. Num tempo em que o número de cópias vendidas para tornar um CD disco de ouro teve de ser abaixado para 34 mil, a diferença entre os grandes artistas e os independentes é cada vez menor. Por que, então, continuar tratando estes como promessas de um dia se tornarem aqueles? Sinceramente, não vejo motivos para isso. Acho que os independentes serão independentes e pronto. Não são uma promessa. São o que são.