Em 'Sou', o cantor e compositor parece seguir uma jornada de volta ao prazer de viver.
O começo é sombrio, lento. A primeira faixa, 'Téo e a gaivota', é introduzida por pausas longas, quase jazzísticas, para que a voz grave e noturna de Camelo anuncie: "Toda a dor repousa na vontade / todo amor encontra sempre a solidão". Nessa e nas próximas duas músicas, ele cantará o sofrimento que vem do desejo, da ausência (afinal, "tudo passa") e da solidão, que às vezes parece maior que tudo — "Lá vai Deus sem sequer saber de nós / saibamos pois / estamos sós" ('Saudade').
Como que cansado da escuridão, o artista percebe, em 'Doce solidão', que pode até estar só, mas é de todo mundo. A canção antecipa a singela e emocionante 'Janta'. O fim faz parte da vida e o "não dá" é um dos riscos do amor. Fazer o quê? Viver. "Eu ando em frente pra sentir saudade."
Depois da epifania de 'Janta', que tem participação de Mallu Magalhães, tudo ganha mais sol e alegria. Enquanto descobre o encanto de moças ('Menina bordada') e o bom papo dos velhinhos ('Copacabana'), Camelo passeia por cirandas, sambas, marchas de carnaval e batuques regionais. E lança festividade naquilo que começou introspectivo.
A produção é esmerada ('Santa chuva', já gravada por Maria Rita, aparece bela com arranjo de violão e cordas), os músicos (que incluem a banda indie Hurtmold e Dominguinhos) trazem riqueza aos arranjos e Camelo se consolida como um dos grandes compositores da música jovem brasileira. Uma obra tão boa quanto a vida.
*Publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, 25/9/2008.