sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um mantra: a música como fim

Dia desses me chamaram de derrotado. Foi no meio de um debate, uma argumentação acalorada sobre o que nós, músicos independentes, podemos fazer para conquistar mais público. A pessoa que conversava comigo queria agir, "tomar o destino nas mãos", tocar para milhares de pessoas, e acho que imaginou que teria em mim um aliado. Mas meu discurso de que não vejo muito mais o que fazer além de tentar compor as melhores músicas que sou capaz e apresentá-las da melhor maneira possível, dentro das minhas limitações, a incomodou. Afinal, lá pelas tantas, veio a cacetada: "Você é um derrotado, Beto!"

Não vou dizer que não doeu. É difícil se desapegar verdadeiramente da necessidade de ser considerado um vencedor. Ser chamado de loser, big L, assim, na cara dura, não é moleza. Mas me surpreendi reagindo bastante bem. Senti o golpe, é claro, mas não a ponto de dobrar meus joelhos. Continuei firme nas minhas convicções, tentando explicar que minhas crenças servem muito bem a mim, mas que não acho que todos devem agir como eu. Há muitos rumos a seguir no meio musical. Cada um toma o caminho que acreditar ser melhor. E, se me lembro bem, não xinguei de volta.
O papo, porém, ficou longe de ser uma mera briga. Serviu bastante para refletir. Inclusive, agradeci à pessoa pela conversa, que foi, na maior parte da noite, muito rica e interessante. Dias depois, certamente motivado pelo encontro, me peguei pensando muito sobre o que é meio e o que é fim para mim. E percebi que durante muito tempo, desde o comecinho, aos 12 anos, a música era só um meio. Meio de, um dia, ser amado, ser igual ao Renato Russo. Meio de me sentir o maioral, idolatrado por milhares de fãs. Meio de ter mais autoestima. Meio, no fim das contas, de ser um vencedor.
Aprender a fazer canções, montar bandas, organizar shows, gravar demos, tudo isso era um meio de chegar ao sucesso. Mas o sucesso não veio, como normalmente não vem. Da mesma forma como normalmente não ganhamos na Mega-Sena. E com isso, veio a revolta, a inveja, a indignação. Eu me achava bom, melhor do que muitos que faziam sucesso. Um injustiçado.
Estranhamente, porém, ao contrário do que fiz em outros projetos, não desisti de tocar, de compor, de montar bandas. Comecei a ver que, de alguma forma, a música era necessária pra mim. Não interessava quão grande era a frustração, não pensava em parar. E um dia recebi uma lição maravilhosa. Do melhor tipo, que são essas que a pessoa te dá sem nem perceber que tá te ensinando algo.
Foi num ensaio dos Solitários Incríveis, quando caímos numa discussão sobre se a banda estava dando certo ou não. Minha análise tendia a ser direcionada para fatores objetivos, como quantos shows havíamos dado naquele ano, a recepção da crítica à demo, o convite para tocar nesse ou naquele festival. E daí o Txotxa, com toda sua simplicidade, mandou: "Claro que a banda tá dando certo, a gente tá tocando tão bem juntos, fazendo músicas boas. Pra mim, o melhor jeito de saber se uma banda está dando certo é olhando se ela está fazendo música bem".
Calei. Deixei os outros falarem e comecei a mudar ali minha maneira de ver as coisas. Hoje, sei que o que o Txotxa me apresentou naquele instante foi a percepção de que a música deve ser, antes de um meio, o fim. Tocamos porque queremos fazer música boa. Esse é o objetivo.
Ver a música como fim não elimina, é claro, a possibilidade de ela ser meio para infinitas coisas. Mas ela nunca pode perder seu posto principal de "fim". E foi esse aprendizado que me possibilitou não partir pras agressões mais baixas quando fui chamado de derrotado por alguém que acabara de conhecer. Porque essa noção me dá a certeza de que, se a música é o fim, não posso estar derrotado. Como estaria derrotado se acabo de compor, em parceria com o Ju e a ajuda preciosa do Ataide, a melhor música que já fiz? Como, se essa música me encheu de vontade de concluir logo o repertório do terceiro disco para gravá-lo? Se estou melhorando, como posso já estar derrotado?
Sei que para muitos sou mesmo um derrotado. Sei que muitos se perguntam por que eu simplesmente não desisto, já que depois de todo esse tempo só há 190 membros na comunidade "Beto Só" do Orkut. Não digo que mais reconhecimento não me me deixaria feliz. Claro que deixaria. Mas não é essa a questão. O importante é que, apesar da pressão de sermos vencedores, não podemos esquecer que o "fim" é a música. E nesse aspecto, estou cada vez mais satisfeito. Apesar de alguns dizerem que estou cada vez pior, tenho convicção de que estou cada vez melhor. Por isso, não paro. Por isso, não sou um derrotado.