Um dia nos correios
Conflitos e desentendimentos estão sempre à espreita, prontos para pular sobre você. A ida aos correios para enviar o material de inscrição em um concurso cultural começou divertida, não havendo nada que mostrasse que eu poderia me chatear ali. O fato de a máquina de distribuição das senhas estar estragada era um indício de que as coisas poderiam se complicar, mas eu ignorei esse sinal, divertindo-me com o curioso diálogo entre uma mulher e o funcionário encarregado de organizar a fila de clientes.
– Depois dele, sou eu né?
– Não, a senhora é depois dele – disse o funcionário, apontando para um homem vestido com o inconfundível uniforme amarelo usado pelos carteiros.
– Mas ele é carteiro. Ele também vai ser atendido?
– Sim – respondeu sem conseguir conter o riso o organizador da fila. – Os carteiros também usam os correios.
Um carteiro na fila dos correios é realmente uma cena dessas que, apesar de não poderem ser chamadas de absurdas, te deixam meio confuso. Você espera que o carteiro esteja ali para trabalhar, não para enviar uma carta. Eu me solidarizei com a mulher e passei a me divertir sozinho imaginando frentistas vestidos com seus macacões parando para abastecer seus carros ou pessoas vestidas de garçons sentadas em mesas de restaurantes. Foi quando o problema aconteceu.
Para que vocês possam entender, preciso voltar a alguns minutos antes do divertido diálogo entre a mulher e o funcionário. A agência à qual fui possui duas fileiras de cadeiras, com cerca de seis lugares cada uma, para que aguardemos a nossa vez. Quando cheguei, vi dois rapazes sentados na fileira de trás. Tentei retirar minha senha e fui avisado por um deles que a maquininha não estava funcionando. Logo atrás de mim chegou um senhor, que também tentou em vão retirar sua senha e foi avisado pelo mesmo rapaz sobre o problema técnico.
Foi nesse momento que apareceu o funcionário. Perguntou se eu era o primeiro na ordem de chegada, mas, educadamente, disse que os dois jovens já estavam lá quando eu cheguei. O funcionário disse então que eles eram os primeiros, eu o segundo e...
– Não, o segundo sou eu – interveio, do canto do balcão de atendimento, um sujeito de óculos e cabelo comportado portando uma grande caixa de Sedex. – Eu cheguei depois deles dois – disse. Ninguém o questionou. O guardinha então pediu para que nos sentássemos todos na primeira fila de cadeiras e em ordem de atendimento. Os dois rapazes, o sujeito de óculos, eu e o senhor.
Todos obedecemos, menos o sujeito de óculos, que decidiu ir até um outro balcão para fazer não sei o quê, talvez procurar o CEP, ou terminar de preencher o endereço em seu pacote. O fato é que ficou um lugar vago entre mim e os dois rapazes, que logo foram atendidos, pois estavam juntos.
Chegaram então o carteiro e, depois, a mulher que estranhou o fato de ele estar na fila. Entretido com minhas fantasias sobre frentistas abastecendo seus carros e garçons indo jantar fora, ouvi a palavra “próximo” ser gritada por uma das atendentes. Completamente esquecido do sujeito de óculos que havia se ausentado da fila, levantei-me e fui até o balcão.
– Queria mandar esse material...
– Você tá furando fila! – disse um agora nervoso sujeito de óculos.
– Ah, me desculpe, eu achei que fosse minha vez – eu disse, ainda calmo.
– Não, você sabia que era a minha vez – bradou, o sujeito.
Pronto, eu tava puto. Mas que safado, filho de uma égua, me chamando de fura-fila assim na frente de todo mundo e não aceitando minhas explicações. Aí, acho que eu já tava falando meio exaltado. Tentei dizer que como havíamos feito uma fila e ele se retirou, acabei me distraindo e que havia me ENGANADO e não furado fila, mas ele não deixou eu terminar minha frase. Disse, nervosinho (eu tava puto, mas ele tava nervosinho), que ele havia avisado que era o segundo da fila. Filho da puta. Continuava sem me ouvir.
– O senhor não precisa ficar nervoso – eu disse, provavelmente muito irritado. Sim, eu sei, é difícil não ser meio patético quando entramos numa discussão dessas.
– O assunto já está resolvido, amigo – ele retrucou.
Foi a gota d’água. Larguei meus papéis e dei um soco na orelha esquerda do cara, fazendo seus óculos voarem e acertarem a testa da pobre atendente. Sem dar chances para ele reagir, torci seu braço para trás, como aprendi nas aulas de luta, e o fiz, contorcendo o rosto como um bebezinho prestes a chorar, ajoelhar-se. Camalmente, então, disse:
– Eu havia esquecido do senhor. Foi uma distração. Não foi má fé. O senhor entendeu? – perguntei enquanto dobrava um pouco mais seu braço, como meu professor me ensinou fazer. Gemendo, ele balançou a cabeça afirmativamente. O soltei, peguei meus papéis e fui a outra agência.
Quem me conhece sabe que o fim não foi assim. Mas estava entalado com esse negócio de ser chamado de furador de fila quando havia apenas me distraído, e gostei de imaginar essa cena. Na verdade, até entendo que o cara tenha achado que eu havia agido de má fé, pois muita gente age assim em filas. Mas juro que foi distração e queria que a conversa tivesse sido mais amigável. Tomara que seja da próxima vez.
*Ninguém garante que semana que vem haverá outra crônica