É uma pena que ‘Tropa de Elite’ tenha vazado e acabado se transformando no filme brasileiro do momento antes de ter chegado às telonas. Isso porque o bafafá fez um outro filme nacional que já estreou nos cinemas passar sem muitos comentários, e eles eram necessários. Trata-se de ‘Baixio das Bestas’, o novo filme do diretor Cláudio Assis, que fez também ‘Amarelo Manga’.
Eu já vi os dois. Quer dizer, vi o ‘Baixio’ no cinema e a versão “inacabada” de ‘Tropa de Elite’ no DVD pirata. Minha intenção era ver ‘Tropa’ só no cinema, mas ao visitar um amigo justo na hora em que ele colocava a cópia pirata dele no DVD acabou atiçando minha curiosidade a ponto de não resistir.
Aparentemente os dois filmes não tem muito a ver. Mas ambos falam de um Brasil marginal e miserável, e ambos causam na gente aquela sensação de “caramba, isso não tem jeito de resolver”. Mas ‘Baixio’ ganha em importância ao virar suas lentes para um Brasil que consegue ser mais abandonado que as favelas cariocas.
A história da menina que é abusada por todos – pelo avô que ganha dinheiro com caminhoneiros que pagam para vê-la nua, pelo garoto classe média que a princípio se revolta com sua situação, mas depois se convence de que também pode usá-la como quiser e, mais tarde, pela dona do bar que passa a vendê-la para os caminhoneiros que passam por ali – é uma história que precisa ser encarada e remoída por um país que parece praticar a arte do abandono e do fechar de olhos.
Cláudio Assis volta suas lentes para esse Brasil com um olhar de documentarista, captando diálogos tão verdadeiros que parece nos transformar em forasteiros de passagem por uma cidade do interior de Pernambuco. Ver o filme é uma experiência que choca, ao testemunharmos diálogos que deixam claro o quanto a exploração e abuso de mulheres, sejam adultas ou não, parece fazer parte da cultura brasileira. A conversa da dona do bar com um cliente sobre a garota que passa a se prostituir é um soco no estômago: “Essa aí vai te render muito”, diz ele. “Deus te ouça”, ela responde, esperançosa e feliz.
O curioso é observar que por mais que tente, ‘Tropa de Elite’ não consegue o olhar neutro e documental de ‘Baixio’. Cláudio Assis nos leva por uma viagem de imagens explícitas e quase sem pudores que torna tudo tão real a ponto de precisar nos lembrar que estamos no cinema (na ótima cena em que Matheus Nachtergaele olha para câmera e diz que o bom do cinema é que lá podemos fazer o que quisermos).
‘Baixio’ ganhou merecidamente o prêmio de melhor filme no Festival de Brasília de 2006. Mas em 2007, pelo jeito, será escanteado pela atenção em torno de ‘Tropa de Elite’, assim como ‘Amarelo Manga’ foi sombreado por Carandiru. Deve ser porque mesmo na hora de olhar seus excluídos, o brasileiro concede privilégios, achando mais importante o que está mais próximo (do Rio e de São Paulo).
Mas se ‘Tropa’ é um bom filme ainda não sei dizer. Me parece perigoso adotar a visão do capitão do Bope como faz o filme, ainda mais num tempo em que os Estados Unidos tentam convencer a todos de que os fins justificam os meios na luta contra o mal. Mas vou esperar para ver no cinema o filme como deve ser visto antes de criticá-lo.