terça-feira, 28 de abril de 2009
Ataide, o revolucionário. Ou Beethoven encontra Nick Cave
Amanhã, quarta-feira, é dia de recomeço. A apresentação no Jogo de Cena marca a estreia de um show que vem sendo preparado há cerca de três meses, com uma nova formação: Ju, na guitarra; eu na voz e violão; e a presença especialíssima de Ataide Matos, no violoncelo. Professor da Escola de Música de Brasília, lutier, com algumas décadas dedicadas à música erudita, Ataide é uma figura rara. Raríssima. Não só pelas histórias surreais e divertidíssimas que coleciona -- que vão de acidentes inusitados durante apresentações a experiências com projeção astral. O que também o torna especial é a coragem de olhar sem preconceitos para a música popular e procurar, como ele mesmo diz, "aprender" com ela.
Ataide gravou violoncelo em algumas músicas de 'Dias mais tranquilos', meu segundo disco. No começo do ano liguei para ele e pedi a indicação de algum aluno que pudesse participar desse novo show, em formato quase acústico. Pensava que talvez pudesse encontrar algum jovem violoncelista que gostasse de ouvir rock e quisesse fazer parte de um projeto assim. Para minha feliz surpresa, Ataide indicou ele mesmo. Aceitei, é claro. Mas morrendo de medo. Afinal, o que um "músico de verdade" (expressão que ele odeia, por sinal) pensaria das composições que crio em parceria com o Ju? O cara que conhece peças de Mozart, Beethoven, Bach e outros nomes dos quais nem ouvi falar não acharia tudo muito primário?
Passadas algumas horas de ensaio, entre uma história hilária e outra, veio uma confissão que eu nunca imaginaria ouvir. Ataide disse que estava nervoso de tocar com a gente, com medo de não conseguir. A música popular, do jeito que as bandas de rock estão acostumadas a fazer, com arranjos sendo criados coletivamente, muitas vezes na base do improviso, era um universo totalmente desconhecido para ele. Daí o receio de não dar conta. Confessado o medo que eu e o Ju também sentíamos, a conversa se tornou franca e muito esclarecedora.
Ele disse que estava em busca de uma nova relação com a música, na qual o artista não seja só um repetidor, mas um criador. Coisa que nós, roqueiros invocados, nos metemos a fazer assim que aprendemos os dois primeiros acordes no violão. Os ensaios com Ataide serviram, então, para aumentar, e muito, minha autoestima. Ele me fez ver que todos esses anos compondo e tocando em diversas bandas me ajudaram a desenvolver uma espécie de saber intuitivo, um domínio de uma forma de cultura popular bastante rica. É bizarro ouvi-lo comparar as linhas de violoncelo que criamos (o Ju bem mais que eu) com estruturas usadas por compositores clássicos. "Esse recurso melódico era muito usado por Beethoven", ele solta de vez em quando, para nosso espanto e constrangimento. "Estamos só tentando imitar o Nick Cave", respondemos.
O que mais admiro na postura de Ataide é a busca de uma nova forma de ensinar música para seus alunos. Ao topar fazer rock com a gente, ele está na verdade aprendendo como funciona a música popular para, depois, tornar o estudo do violoncelo algo mais atraente para seus jovens estudantes. Quantos músicos não desistiram das aulas tradicionais porque não aguentaram o saco de seguir métodos rígidos que insistem na repetição e não estimulam a criatividade? Não seria bom um professor que te ajudasse a ver a relação entre Beatles, Luiz Gonzaga e Mozart? É o que ele tem buscado fazer. E acaba enfrentando resistência de colegas que insistem em colocar o erudito em um nível superior ao popular. Nesses anos todos de rock, nunca encontrei alguém tão punk e revolucionário como Ataide. É uma honra tocar com ele.
No show de amanhã, faremos só três músicas. Mas a partir de maio faremos apresentações completas, que incluirão duas músicas inéditas, compostas recentemente. Espero ver vocês na plateia em alguma delas.
Abraços.
Ataide gravou violoncelo em algumas músicas de 'Dias mais tranquilos', meu segundo disco. No começo do ano liguei para ele e pedi a indicação de algum aluno que pudesse participar desse novo show, em formato quase acústico. Pensava que talvez pudesse encontrar algum jovem violoncelista que gostasse de ouvir rock e quisesse fazer parte de um projeto assim. Para minha feliz surpresa, Ataide indicou ele mesmo. Aceitei, é claro. Mas morrendo de medo. Afinal, o que um "músico de verdade" (expressão que ele odeia, por sinal) pensaria das composições que crio em parceria com o Ju? O cara que conhece peças de Mozart, Beethoven, Bach e outros nomes dos quais nem ouvi falar não acharia tudo muito primário?
Passadas algumas horas de ensaio, entre uma história hilária e outra, veio uma confissão que eu nunca imaginaria ouvir. Ataide disse que estava nervoso de tocar com a gente, com medo de não conseguir. A música popular, do jeito que as bandas de rock estão acostumadas a fazer, com arranjos sendo criados coletivamente, muitas vezes na base do improviso, era um universo totalmente desconhecido para ele. Daí o receio de não dar conta. Confessado o medo que eu e o Ju também sentíamos, a conversa se tornou franca e muito esclarecedora.
Ele disse que estava em busca de uma nova relação com a música, na qual o artista não seja só um repetidor, mas um criador. Coisa que nós, roqueiros invocados, nos metemos a fazer assim que aprendemos os dois primeiros acordes no violão. Os ensaios com Ataide serviram, então, para aumentar, e muito, minha autoestima. Ele me fez ver que todos esses anos compondo e tocando em diversas bandas me ajudaram a desenvolver uma espécie de saber intuitivo, um domínio de uma forma de cultura popular bastante rica. É bizarro ouvi-lo comparar as linhas de violoncelo que criamos (o Ju bem mais que eu) com estruturas usadas por compositores clássicos. "Esse recurso melódico era muito usado por Beethoven", ele solta de vez em quando, para nosso espanto e constrangimento. "Estamos só tentando imitar o Nick Cave", respondemos.
O que mais admiro na postura de Ataide é a busca de uma nova forma de ensinar música para seus alunos. Ao topar fazer rock com a gente, ele está na verdade aprendendo como funciona a música popular para, depois, tornar o estudo do violoncelo algo mais atraente para seus jovens estudantes. Quantos músicos não desistiram das aulas tradicionais porque não aguentaram o saco de seguir métodos rígidos que insistem na repetição e não estimulam a criatividade? Não seria bom um professor que te ajudasse a ver a relação entre Beatles, Luiz Gonzaga e Mozart? É o que ele tem buscado fazer. E acaba enfrentando resistência de colegas que insistem em colocar o erudito em um nível superior ao popular. Nesses anos todos de rock, nunca encontrei alguém tão punk e revolucionário como Ataide. É uma honra tocar com ele.
No show de amanhã, faremos só três músicas. Mas a partir de maio faremos apresentações completas, que incluirão duas músicas inéditas, compostas recentemente. Espero ver vocês na plateia em alguma delas.
Abraços.
terça-feira, 7 de abril de 2009
Adeus ao velho Escort
Hoje, numa tarde chuvosa e cinzenta, vendi meu velho Escort. Não descreverei aqui alguns dos momentos memoráveis que passei com ele nos últimos 15 anos porque estou em uma campanha para ser menos piegas -- mas acho que só estou ficando mesmo é com menos assunto. :-)
Agora me dei conta de que não tirei nenhuma foto do meu antigo carrinho... Então deixo aqui a música na qual o menciono, gravada no meu último disco. A partir de hoje, perambulo pela cidade num novo Ka. Menos charmoso, mas bem mais confiável.
Agora me dei conta de que não tirei nenhuma foto do meu antigo carrinho... Então deixo aqui a música na qual o menciono, gravada no meu último disco. A partir de hoje, perambulo pela cidade num novo Ka. Menos charmoso, mas bem mais confiável.
segunda-feira, 6 de abril de 2009
quinta-feira, 2 de abril de 2009
Uma das (várias) lições dos Móveis
A conversa com um amigo hoje de manhã me fez ter ainda mais certeza que os Móveis Coloniais de Acaju são mesmo o principal nome do rock de Brasília nos anos 2000. A discussão não é somente estética. Lista de melhor banda cada um pode ter a sua. Mas, além de ter um controle de qualidade elevado, os Móveis conseguiram cativar um público fiel, fazer escolhas acertadas de gerenciamento de carreira e expandir a admiração por seu trabalho além das fronteiras do DF como nenhuma outra banda brasiliense nesses primeiros 10 anos de século 21.
O lançamento do segundo disco dos caras, 'C_mpl_te', só tende a confirmar isso, quando eles dão um passo que parece ser do tamanho exato de suas pernas, lançando pela Trama. Mas é uma frase que li na crítica sobre o CD publicada no Correio Braziliense de hoje que eu queria destacar aqui. Lá pelas tantas em seu texto, o jornalista Tiago Faria diz: "Como eles conseguiram (um excelente disco)? Com naturalidade, sim, mas não dá para descontar o auxílio do (produtor) Carlos Eduardo Miranda. Um dos maiores equívocos do rock independente brasileiro é subestimar a importância de um bom produtor".
Na mosca, Tiago. Esse é um dos passos fundamentais que o meio independente brasileiro precisa dar. O caso dos Móveis é emblemático. No primeiro disco, conseguiram trabalhar com Rafael Ramos e, agora, com Miranda. Os dois produtores podem não ser ideal para sua banda ou para mim. Mas um bom produtor é essencial para 99% dos artistas -- e os independentes não são exceção. No caso dos Móveis funcionou e o principal do exemplo deles é a preocupação em buscar um bom produtor. Por outro lado, há vários exemplos emblemáticos extamente opostos. De discos que possuem um belo repertório, mas sofrem com uma produção pobre, que pode levar desde erros de timbragem (ou alguns ainda mais graves de execução mesmo) à falta de conceito, ou melhor, unidade.
Não me esqueço do dia em que ouvi pela primeira vez meu primeiro disco, 'Lançando sinais', gravado e produzido por Philippe Seabra. Meu primeiro comentário foi: "Está tão bom que não parece um disco meu". É claro, meus discos anteriores eram EPs e demos "produzidos" pelos donos dos estúdios que alugávamos para gravar. Nâo havia um cara de fora, com talento ou bom ouvido, para apontar coisas que não percebíamos, para fazer o controle de qualidade ficar num nível mais alto. Quando o Philippe fez isso por nós, o resultado foi surpreendente, mesmo para mim e para a banda que me acompanhava.
As novas tecnologias nos permitem gravar em casa, de forma rápida e fácil e cada vez mais barata. Mas o processo de dar forma a um álbum é muito mais complexo que simplesmente dominar softwares modernos. Claro, todos ainda estamos aprendendo. Um cara que hoje só grava uma banda pode se tornar daqui a pouco um belo produtor. Mas se quisermos fazer a diferença -- e certamente, do jeito que as coisas estão, o mundo precisa que façamos a diferença -- temos de ser exigentes. E não temos sido, em grande parte das vezes, no que diz respeito à produção.
O lançamento do segundo disco dos caras, 'C_mpl_te', só tende a confirmar isso, quando eles dão um passo que parece ser do tamanho exato de suas pernas, lançando pela Trama. Mas é uma frase que li na crítica sobre o CD publicada no Correio Braziliense de hoje que eu queria destacar aqui. Lá pelas tantas em seu texto, o jornalista Tiago Faria diz: "Como eles conseguiram (um excelente disco)? Com naturalidade, sim, mas não dá para descontar o auxílio do (produtor) Carlos Eduardo Miranda. Um dos maiores equívocos do rock independente brasileiro é subestimar a importância de um bom produtor".
Na mosca, Tiago. Esse é um dos passos fundamentais que o meio independente brasileiro precisa dar. O caso dos Móveis é emblemático. No primeiro disco, conseguiram trabalhar com Rafael Ramos e, agora, com Miranda. Os dois produtores podem não ser ideal para sua banda ou para mim. Mas um bom produtor é essencial para 99% dos artistas -- e os independentes não são exceção. No caso dos Móveis funcionou e o principal do exemplo deles é a preocupação em buscar um bom produtor. Por outro lado, há vários exemplos emblemáticos extamente opostos. De discos que possuem um belo repertório, mas sofrem com uma produção pobre, que pode levar desde erros de timbragem (ou alguns ainda mais graves de execução mesmo) à falta de conceito, ou melhor, unidade.
Não me esqueço do dia em que ouvi pela primeira vez meu primeiro disco, 'Lançando sinais', gravado e produzido por Philippe Seabra. Meu primeiro comentário foi: "Está tão bom que não parece um disco meu". É claro, meus discos anteriores eram EPs e demos "produzidos" pelos donos dos estúdios que alugávamos para gravar. Nâo havia um cara de fora, com talento ou bom ouvido, para apontar coisas que não percebíamos, para fazer o controle de qualidade ficar num nível mais alto. Quando o Philippe fez isso por nós, o resultado foi surpreendente, mesmo para mim e para a banda que me acompanhava.
As novas tecnologias nos permitem gravar em casa, de forma rápida e fácil e cada vez mais barata. Mas o processo de dar forma a um álbum é muito mais complexo que simplesmente dominar softwares modernos. Claro, todos ainda estamos aprendendo. Um cara que hoje só grava uma banda pode se tornar daqui a pouco um belo produtor. Mas se quisermos fazer a diferença -- e certamente, do jeito que as coisas estão, o mundo precisa que façamos a diferença -- temos de ser exigentes. E não temos sido, em grande parte das vezes, no que diz respeito à produção.
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