Se eu ainda frequentasse divãs e fosse ter um papo solitário com meu analista, certamente chegaria à conclusão de que voto na Dilma por puro egoísmo. E este texto é para explicar por quê. Eu cresci com uma culpa muito grande. Quando era criança, com sete ou oito anos, meu pai me levou pra conhecer a pobreza. Pediu para que o técnico do time de futebol que ele apoiava, fornecendo uniformes, chuteiras e bolas, colocasse eu e meu irmão para jogar. Passei a conviver com garotos bastante humildes das cidades-satélites de Brasília, muitos deles subnutridos e desdentados, que a princípio pareciam assustadores, mas depois, percebi, eram apenas pobres. Como se estivessem me acuando (estavam sendo apenas curiosos), alguns me enchiam de perguntas. Queriam saber como era minha casa, se era verdade que ela tinha piscina, como era andar num carro tão chique como o do meu pai. Eu não conseguia deixar de me sentir constrangido e de pensar que eu tinha muita sorte de ter nascido na família em que eu tinha nascido. Todo sábado de manhã, quando meu pai nos levava até os jogos, ia sofrendo por saber que encontraria mais uma vez aquele tipo de vida difícil, que poderia ter sido a minha, caso eu tivesse nascido em outra casa.
Continuei jogando bola ali até uns 12 anos, quando comecei a perceber que, muitas vezes, era escalado só por ser filho de quem eu era. Certa manhã, cheguei atrasado, e todas as camisas já tinham sido distribuídas. Ao me ver, o técnico pediu para que um dos garotos, o menorzinho do grupo, tirasse a dele e a entregasse para mim. Ele obedeceu segurando o choro e agarrou com profunda tristeza a nota de alguns cruzeiros que o técnico deu a ele para que ele comprasse um picolé. Era uma recompensa por estar sendo tirado do time para que eu jogasse em seu lugar. Eu já era velho o bastante para entender a injustiça que estava acontecendo ali, mas novo demais para recusar a camisa. Eu a vesti com profunda vergonha e joguei querendo que aquele dia acabasse logo. Decidi não voltar mais ao time. Não era um bom jogador. E só era escalado por ser o filho do dono da bola.
Eu cresci acostumado a achar que a miséria e a pobreza eram coisas sobre as quais não podíamos fazer nada. Pobres aos montes sempre existiriam, e eu tinha apenas dado sorte de ter nascido no lado dos ricos, num país que seria eternamente injusto. Talvez uma revolução armada, pensei na época de adolescência, quando, mesmo sendo totalmente despolitizado, flertei com o movimento estudantil. Mas eu, no fundo, sabia que eu não seria capaz de pegar em armas para fazer à força a distribuição de renda no país. Penso que apenas buscava uma maneira de me livrar da culpa, de me convencer de que era comprometido com a mudança. Mas era um menino bem intencionado apenas, desinformado, sem conhecimento da história de meu país.
Eu ainda era esse menino ingênuo quando apoiei Lula para presidente em 1989. Tinha, então, como muita gente certamente tinha, uma visão superficial e maniqueísta de todo o processo político. Havia os bons, da esquerda, e os maus, da direita. Os primeiros eram honestos, os segundos, bandidos. Os “mocinhos” perderam e eu chorei. Não seria daquela vez que eu deixaria de carregar a culpa de ser rico num país de miseráveis.
Cresci, tornei-me jornalista. Busquei fazer matérias que melhorassem as vidas das pessoas. Escrevi sobre educação, saúde, direitos humanos, infância. Continuei votando em Lula, mas passei a achar que o governo Fernando Henrique talvez fosse o melhor que poderíamos ter. Não tínhamos mais inflação, isso era bom. E todas as crianças estavam na escola. Isso era bom.
Fui trabalhar para aquele governo. Secretaria Executiva da Comunidade Solidária. Um dia, em uma palestra a que assisti no trabalho, aprendi que o número de miseráveis não caía de forma expressiva e que, em um certo período, o índice de Gini, que mede a desigualdade social, permaneceu inalterado, sem melhora alguma (de fato, olhando os dados da FGV hoje, entre 1994 e 2002, o índice de miseráveis no país caiu de 28,79% para 26,72%). O fim da inflação parecia bom, mas o país parecia condenado à eterna injustiça. Chegou 2002 e votei em Lula mais uma vez. Continuava despolitizado e ingênuo. Vibrei com a vitória do PT porque teríamos um governo infalível, incorruptível. Não acreditava muito que o Brasil deixaria de ser desigual, mas pelo menos não roubariam o dinheiro público, seriam honestos, não fariam maracutaias com a velha elite eternizada no poder.
Daí veio o chamado escândalo do mensalão. E as pessoas como eu (a classe média que, no fundo, só quer saber que o imposto que gentilmente deixou de sonegar não foi parar na mão de político corrupto) ficaram indignadas. Eu fiquei indignado e achei que o Brasil não tinha mesmo jeito. Se até o Lula corria o risco de sofrer um impeachment, o país estava condenado. Mas aí, algo novo aconteceu em minha vida. Comecei a conversar com pessoas (e meu irmão e o Lourenço foram os primeiros) que buscavam me mostrar o que estava em jogo se o governo Lula fosse interrompido ali.
O momento não era o de jogar a toalha e de lavar as mãos. De achar que todo mundo é igual, logo tanto faz quem comanda. O momento era de, finalmente, amadurecermos politicamente. Vermos que projetos políticos são uma coisa, erros e crimes cometidos por pessoas que estão no governo são outra. Era momento de vermos que há todo um sistema pelo qual se deve jogar para chegar a um objetivo. E que, talvez, e até muito provavelmente, avanços serão alcançados com a ajuda de quem não gostaríamos de ver mais no poder.
Não se trata de perdoar. De dizer, simplesmente, que os fins justificam os meios. Mas de reconhecer que não há puros e que decepções podem aparecer a qualquer instante. Tive decepções ao longo do governo Lula. Posso ter outras e, nesse caso, que os culpados sejam punidos. Que a imprensa fique de olho, agindo com ética e honestidade, por favor. Mas quem não teve decepções nos governos anteriores não deve ter prestado muita atenção aos fatos. E quem acha que não teria decepções num hipotético governo de Marina Silva deve continuar com a ingenuidade que eu tinha em 1989.
É possível anular o voto. Sim, claro. Mas aí é como dizer que tanto faz quem ganhar. E não é assim. Para mim, é hora de, desta vez sem ingenuidade, optar por um projeto político que melhore o país. E, sinceramente, não vejo como não votar em Dilma e escolher a continuidade do governo Lula. Porque nos últimos anos eu passei a me encher de confiança de que meu filho não precisará sentir tanta culpa como eu senti quando era pequeno. Nos últimos oito anos, mais de 20 milhões de pessoas saíram da miséria no país. 32 milhões chegaram à classe média. A taxa de miseráveis despencou para 15,54% no ano passado e continua caindo. Pra mim, é emocionante ficar sabendo de histórias de pessoas que conseguiram estudar, arrumar um emprego melhor. Ver gente da nova classe média passeando no mesmo shopping-center que eu e tendo condições de comprar. É emocionante, de me fazer chorar, poder conversar com um senhor que conheci no aeroporto e me disse, todo feliz, que só precisou viajar duas horas pra ver a filha. Era a primeira vez que ele andava de avião.
Eu, egoisticamente, voto na Dilma porque seu principal compromisso de campanha é retirar da miséria os 21 milhões de brasileiros que ainda continuam lá. Isso pra mim basta. Quero, desesperadamente, viver num país onde eu não tenha de sentir culpa. Culpa de ter tido sorte ao nascer. E não adianta vir outro e me dizer que assume o mesmo compromisso. Porque quem me provou que combater a miséria é possível foi o governo que aí está. E que por isso deve continuar.
PS: Isso tudo sem falar em tantas outras melhoras que este governo conseguiu em comparação ao governo anterior, como mostra o quadro abaixo.
Veja o panfleto num tamanho maior! Via @IlustreBOB