Eu tava achando que o episódio Lobão e os independentes, se ele foi um traíra ou não, havia passado. Mas o próprio músico parece que se esforça para não deixar o assunto morrer. Hoje, na coluna sobre televisão do Correio Braziliense, Lobão aparece dizendo que ficou muito feliz com o repertório que cantou para o especial da Globo. “São músicas que dizem aquilo que gostaria de falar pra muita gente”. No repertório está ‘Metamorfose ambulante’, a mesma que tem a frase que ele citou para justificar a traição. Bom, o próprio músico resolveu a questão. Ele é mesmo um traidor. E pelo jeito se orgulha disso.
E além de traidor, Lobão é egoísta. As palavras, de novo, são do próprio músico. Foram ditas à revista Rolling Stone, a que tem o Darth Vader na capa. Lá, Lobão disse que fez o que fez dentro do meio independente “por egoísmo”, para garantir o próprio espaço, quando precisava.
Dito isso, é possível iniciar uma reflexão sobre a sensação de traição que assolou parte dos músicos e produtores independentes. O que é compreensível. Por um momento, pareceu mesmo que Lobão estava do lado do meio independente contra o domínio forjado à base de grana e jabá das gravadoras. Agora, o lobo mostra que nunca esteve de outro lado que não o seu. Estava na verdade excluído das majors, na geladeira, e para não paralisar congelado buscou o calor efervescente do independente.
Mas que bom que fez isso. Tanto Lobão como o meio independente ganharam. O músico continuou tendo visibilidade e conseguiu continuar sua obra, lançando três discos. Nós, independentes, ganhamos porque a mídia, ainda presa a nomes do mainstream, considerava Lobão um cara digno de ser ouvido. E durante alguns anos, o que ele tinha para dizer era justamente sobre a existência do meio independente e de sua rica produção. Com Lobão precisando do meio independente, ele ajudou a fortalecê-lo.
Por isso, apesar de poder se sentir traído (afinal, o próprio músico se diz traidor), o meio independente não deve se sentir órfão. Se um dia Lobão, excluído das grandes gravadoras, achou abrigo no meio independente, é porque este está fortalecido, cada vez mais. Os independentes hoje têm uma força alcançada com trabalho e organização, possibilitada por novas tecnologias. E esse meio não precisa de uma ou outra figura específica para existir e continuar se desenvolvendo.
Isso significa, em outras palavras: vá em paz, Lobão. Mas, antes de me despedir, é preciso lembrar ao músico que, ao contrário do que ele tenta nos fazer acreditar, não é rumo ao novo que ele partiu quando decidiu dar essa nova guinada em sua carreira. É rumo ao velho que ele aponta. Em sua nova metamorfose, o músico conseguiu voltar a ter aquela velha opinião formada sobre tudo, a opinião forjada pela aliança com os velhos esquemas das gravadoras.
Um exemplo: se há alguns anos, era a criminalização do jabá sua principal preocupação (porque isso ajudaria a diminuir a barreira que impede os artistas independentes de chegar ao público), hoje seu discurso se volta para a redução do preço dos discos. Outro exemplo: no Roda Viva, chegou a falar mal de quem baixa música de graça na rede... Conveniente para ele, que agora tem suas músicas “trabalhadas” nas rádios e só quer mesmo vender mais discos, financiados pelos velhos executivos que pagam jabá às rádio.
Quando o Som Brasil for ao ar amanhã, homenageando Raul Seixas, o programa terá como principal atração um músico que conseguiu trazer uma nova leitura à letra de ‘Metamorfose ambulante’. A de que nem sempre a mudança é para algo novo. Um belo feito. Parabéns, Lobão.