quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Feliz!

Neste fim de ano eu queria desejar feliz natal a todos vocês, meus amigos, e um ano novo com muito rock. E se eu pudesse escolher os mensageiros, certamente seriam os dois aí de baixo. A primeira menininha parece perfeita para entregar carinhosas mensagens natalinas (and she also reminds me of someone I really love...). Já o segundo garotinho parece trazer o rock na veia!

Beijos!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Não somos gênios

A primeira música minha que tomou forma, isso é, que eu mostrei para uma banda que fez um arranjo e a transformou em uma canção pronta para ser tocada em um show, chamava-se ‘Merda’. Era uma composição do Ju, meu irmão, com letra minha. Eu tinha, então, 16 anos de idade.

‘Merda’ era uma canção ingênua, mas que merecia crédito, afinal conseguia expressar raiva e desencanto de uma maneira juvenil sincera. Dizia tudo o que eu precisava dizer naquele momento.

A letra falava basicamente que não havia mais nada a ser criado, que estávamos condenados a nunca mais fazer algo inovador, depois de Shakespeare, Fellini, Mozart ou tantos outros gênios. Também lançava uma profunda descrença sobre a minha geração, lembrando que nunca mais surgiu um outro Che Guevara.

Como podem notar, desde cedo eu era pessimista e consciente das minhas limitações. A letra:

Merda

Tudo que você cria já foi criado
Seu Da Vinci de merda
Tudo que você pinta já foi pintado
Seu Van Gogh de merda
Tudo que você filma já foi filmado
Seu Fellini de merda

Seu Mozart de merda!

Tudo que você escreve já foi escrito
Seu Shakespeare de merda
Sua revolução falhou
Seu Guevara de merda
E seu jardim morreu

Seu Mozart de merda!

PS: Notem que eu demonstrava uma preocupação poética, terminando a segunda estrofe com um jardim morto... :-)

É curioso pensar em ‘Merda’ hoje e ver como aquela música já trazia elementos que caracterizariam toda a minha produção musical. O primeiro, mais óbvio, é a forma de compor em parceria com meu irmão, como ainda acontece.

Depois, a forma de me expressar, que rendeu e rende até hoje a acusação de ser pretensioso. Muitos colegas de segundo grau achavam uma pretensão imperdoável eu citar Fellini numa música de rock (e acho que o fato de repetir a letra depois do solo trocando Fellini por Griffith e Van Gogh por Caravaggio deixava meus detratores ainda mais irritados).

O que leva a um terceiro ponto, que também continua até hoje, que é a sensação de que sou incompreendido. Afinal, a música falava que no fundo eu e toda a minha geração éramos medíocres. Porém, me acusavam exatamente do contrário, de ser metido, por citar Fellini. Na época eu sentia algo parecido com o que sinto quando me chamam, no meio independente, de extremamente pop, sem perceberem que minhas músicas não são assim de degustação tão fácil. ‘Merda’ já dizia muito sobre mim. E foi bom perceber isso agora.

De onde vem a lembrança?

Eu lembrei de ‘Merda’ por causa de dois textos. O primeiro foi uma discussão a respeito das artes plásticas, em que Luciano Trigo cita em seu blog a análise de Ferreira Gullar sobre instalações de duas artistas plásticas contemporâneas: “Prefiro ficar em casa lendo Hamlet”, ele disse.

O outro texto está no site Música Folk e é sobre uma banda chamada Lestics. O Flávio Campos, autor do site, destacava a letra de Gênio, uma das composições do duo paulistano. Reparem o que eles dizem em ‘Gênio’, que vocês podem ouvir aqui:

Gênio

Shakespeare e os gregos
já disseram tudo antes
E você não quer viver
à sombra de gigantes

Três ou quatro genes
te separam da grandeza
Mas culpar seus pais
não é da sua natureza

Você tem a alma
atormentada de um gênio
Pena que te falte
uma pitada de talento

Só a solidão do topo
iria te acalmar
Todo mundo te entende
e isso te parece tão vulgar

Você tem a alma
atormentada de um gênio
Mas te falta
o talento

Achei a letra muito boa e me pareceu uma espécie de ‘Merda’ requintada, feita não por um adolescente invocado, mas por um grande letrista. Depois descobri que o Lestics é formado por Olavo Rocha e Umberto Serpieri, membros da ótima Gianoukas Papoulas, certamente uma das cinco bandas com as melhores letras do Brasil (ao lado de Proto, Superguidis, Mundo Livre SA e alguma outra que a gente deixa em branco para não cometer injustiças), o que explicou a qualidade de ‘Gênio’.

Por isso, além de relembrar ‘Merda’, também queria recomendar os caras e o blog do Luciano Trigo, o Máquina de Escrever. Pra ir no blog (indicação do Lourenço!), basta clicar aqui. Já ali embaixo, vocês podem ouvir uma música bem bacana do Gianoukas, chamada ‘Dois Perdidos’, cuja letra considero muito, mas muito boa mesmo. O disco todo deles vocês baixam aqui.

Beijos!

Dois Perdidos (Miranda/Rocha)

Parada no meio da sala
ela tem um quarto na mão
um outro quarto entre os dentes
e dois perdidos no chão

Achados dois quartos tangentes
aos tacos tortos do chão
os outros dois onde estão?
Um na mão e um entre os dentes

Dessas coisas não se abusa
dois quartos são suficientes
Ela guarda os do chão e usa
o da mão e o que estava entre os dentes

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

'A vida dos outros'

Amigos, assistam ao belo filme 'A vida dos outros'. Assisti ontem e, confesso, chorei emocionado com o final do filme, que se resolve tão bem depois de dosar na medida certa suspense, ternura e uma reflexão sobre o papel do artista e da arte nas nossas vidas.

O filme, do alemão Florian Henckel von Donnersmarck, se passa na Berlim oriental, antes da queda do muro, e me fez pensar sobre a nossa necessidade de refletir, hoje, sobre tempos de opressão de um passado recente, sejam as ditaduras da América do Sul, sejam os regimes totalitários da Europa. Não acho que se trate apenas de uma espécie de alerta às novas gerações. Quando um filme se propõe a isso apenas, acaba sendo fraquinho.

Acho que sentimos a necessidade de voltarmos ao tema porque percebemos que ainda vivemos tempos opressores. A opressão mudou de forma, mas temos que lutar todos os dias para não acabarmos rendidos ao conformismo, à inércia, ao modelo estéril de uma vida medíocre, consumista e sem graça, que nos é mostrada cada vez mais como a única possibilidade para os que têm juízo.

Filmes como 'A vida dos outros', que nos transportam para um tempo em que a opressão era mais facilmente identificada, servem como uma metáfora de nossa condição atual. Qualquer artista contemporâneo com o mínimo de sensibilidade irá se identificar com as questões que aqueles escritores, dramaturgos e atores da alemanha oriental enfrentavam há duas décadas.

Um filme encorajador, que mostra, brilhantemente, que a rendição é o suicídio do artista. E que novos tempos sempre chegam.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Os homens e o futebol

Antes de mais nada, devo dizer que acho legal jogar futebol e não tenho nada contra assistir a uma partida pela televisão. Copa do Mundo me empolga e ainda fico feliz quando o Flamengo ganha. Mas ver nos noticiários de domingo aqueles corintianos chorando me fez concluir que essa relação dos homens com o futebol é patética.

O futebol consegue transformar qualquer marmanjo numa versão piorada das fãs do Menudo nos anos 80. Pense bem: aquelas meninas, ingênuas que eram, davam a vida por uma banda que, de tão genuína, substituía os integrantes assim que eles completavam 16 anos. Alguma semelhança com os times de futebol? Toda.

Nos clubes, o troca-troca é intenso, deixando qualquer boy band, ou banda de chicos, no chinelo. O cara sai do Vasco direto pro Flamengo, do São Paulo pro Corinthians, do Corinthians pra time argentino!, tudo na maior. E o torcedor? Fica lá no estádio, histérico como uma garotinha, chorando e rezando pelo time de coração. Tem gente que até morre, vai entender.

Mas isso não é o pior. Ruim mesmo é o efeito Zorra Total que o futebol produz. Pros bem blindados, explico que o Zorra Total é o pior programa da televisão brasileira (se bem que ainda não assisti ao Conexão Xuxa...). Tem uns quadros que deveriam fazer você rir e, além de não conseguir, repetem sempre a mesma piada. Resume-se a um “Não espera eu molhar o bico” ou algo do tipo seguido de risadas pré-gravadas. Um tédio.

Pois toda segunda-feira, depois de um fim-de-semana movimentado nos gramados, qualquer escritório de trabalho vira uma espécie de Zorra Total:

_ Que chocolate ontem, hein? Esse seu time só me dá alegria!

_ E em 92, quando a gente ganhou de vocês, lá?

_ Ih, quem vive de passado é museu.

Os caras reproduzem diálogos desse tipo toda semana como se fossem algo inédito. E você, sentado na sua mesa, tem que ouvir aquilo com um sorriso amarelo no rosto.

Por fim, não bastasse torcer que nem fã do Menudo e agir como comediante de televisão brasileira, os homens querem mais. Querem algo muito pior. Querem ser jogadores de futebol! Aí não dá pra agüentar. Por mais legal que seja bater uma bolinha, é preciso muita paciência para comparecer a essas peladas de sábado à tarde.

Oswald de Souza, o matemático imortalizado pelo Fantástico, deve confirmar: é impossível reunir 12 homens gente-fina de uma só vez. Daí, qualquer pelada tem pelos menos uns quatro ou cinco imbecis completos, que usam a desculpa da competitividade para agirem como trogloditas.

São aqueles que reclamam como tias velhas porque você não passa a bola pra eles, metem a trava da chuteira na sua canela assim que têm a chance e acham que te empurrar pelas costas contra o alambrado é só jogo de corpo. Esses caras acreditam que são “esquentados” só dentro de campo e que depois do jogo todo mundo volta a ser amigo. Ser seu amigo, ô mau caráter? Acho que não.

Fora que quando entra em campo todo homem se transforma num bobalhão. Por culpa do avanço das transmissões de futebol, que captam os menores detalhes, as peladas se transformaram num teatro ridículo. É um tal de imitar os trejeitos dos jogadores, levando a mão à testa quando erra o passe, puxando a camisa um do outro na hora do escanteio, que sinceramente não dá.

Por isso, parei de ir às peladas há um bom tempo e assim sou mais feliz. E nunca mais tive de engessar nenhuma parte do meu corpo. É, porque, não bastasse isso tudo, jogar futebol é uma tentativa constante de se quebrar inteiro. Simplesmente incompreensível. No último domingo, na hora dos jogos decisivos (ooohhh!) fiz coisa melhor e fui assisitr ‘I´m not there’, o filme “sobre” o Bob Dylan. Falo dele aqui daqui uns dias. Amanhã mesmo de repente.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

'O tempo contra nós' ao vivo

Uma das músicas que tocamos no III Senhor Festival, sábado passado no Gate´s Pub...

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Ainda bem que ela existe!

Pela primeira vez estou achando muito boa essa onda de pirataria. É que assim posso satisfazer minha curiosidade mórbida de assistir a 'O Magnata' sem ter que dar dinheiro pro Chorão... :-)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Quanto tempo leva dez minutos?

‘O espaço de nada’, o novo single que estou lançando esta semana pela internet é uma daquelas úsicas que só levam dez minutos para ficarem prontas. Na verdade, o disco já estava todo composto e estávamos prestes a entrar no estúdio quando ela surgiu. Veio da inquietação de sentirmos que, apesar de termos um bom conjunto de músicas, ainda faltava alguma coisa, talvez uma composição que “amarrasse” todo o repertório.

No meio dessa angústia, peguei o violão e comecei a tocar um riff de guitarra que o Ju, meu irmão e parceiro, havia me apresentado cerca de um ano atrás. Era um riff de que nós dois sempre gostamos, mas nunca conseguimos fazer nada além dele. O que poderia vir depois?, que acordes tocar?, que melodia cantar? Por mais que tentássemos, não conseguíamos dar àquele riff uma canção.

Mas daí, num dia específico, veio uma idéia muito simples. Manter a harmonia que acompanha o riff e cantar em cima dela mesmo. Depois cair num Fá maior e fazer uma variação vocal semelhante às que o Elliott Smith tanto fez... Quase ao mesmo tempo que tive essa idéia, a letra foi surgindo, falando sobre como acumulamos coisas não feitas na vida e como elas nos pesam nas costas.

Mostrei a idéia para o Ju que se animou e fez em seguida a terceira parte da canção, com um novo riff de guitarra e que deu origem à parte em que canto a frase que dá nome à musica: “Como pode nada ocupar tanto espaço?” Estava pronta. Demos ainda uma lapidada nos ensaios com a banda, mas a canção ficou pronta naquele instante.

A surpresa foi reparar que os amigos que ouviam a pré-produção do CD, quando gravamos todas as músicas do disco ao vivo, logo comentavam sobre a faixa número 8. Era a que mais ficava na cabeça deles e o riff era sempre citado. A tal música, que surgiu assim de supetão aos 45 do segundo tempo, virou uma espécie de xodó.

Isso parece ser um dos mistérios do pop. Tanta coisa genial (não que seja o caso dessa música) surge assim, do nada, sem muito esforço aparente. E é aí que devemos dar uma ênfase no aparente. Afinal, deve haver muito trabalho inconsciente antes da coisa simplesmente desabrochar. Afinal, não é por acaso que foi o Paul McCartney quem sonhou com ‘Yesterday’. Tenho certeza de que ‘Yesterday’ não apareceria assim, do nada, num sonho do Latino... Tá, é exigir muito do Latino. Não apreceria no sonho de mais ninguém.

Pra mim, ficará sempre a pergunta de quanto tempo eu e o Ju trabalhamos em ‘O espaço de nada’ antes de termos aqueles dez minutos de conclusão. Não que a resposta seja importante, pois o que importa é que outros dez minutos como aqueles voltem sempre a acontecer em minha vida.

Ouçam aí embaixo o resultado. Se gostarem, vocês podem ir até o site Senhor F e fazer o download da música de graça. Lá também está disponível outra música do próximo disco, chamada ‘Meu velho escort’. Os convido a ouvi-las.

Abraços!



O espaço de nada

Uma idéia morta
E meus pés no chão
Mais um falso início
E só vento em minhas mãos

Tudo o que eu nunca fiz
Tudo o que nunca vou ser

O “gesto calado”
A palavra muda
O amor desperdiçado

Tudo o que eu nunca fiz
Tudo o que nunca vou ser
Tudo que não resolvi
É tudo que me pesa mais

Como pode nada ocupar tanto espaço?

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Valeu!

Chega tarde, mas, para essas coisas, nunca é tarde demais...

No próximo sábado, dou o primeiro show de uma nova fase em minha trajetória musical. Será durante o III Senhor Festival, no Gate´s Pub, junto com Watson, Rubin e Superguidis. Além do show marcar o lançamento de duas músicas do meu novo disco, que serão lançadas primeiro só na internet e depois farão parte do disco, eu me apresento com um novo formato: seremos só quatro no palco, e eu ainda vou tocar guitarra em algumas músicas, coisa que nunca fiz antes.

Estou, portanto, com uma banda nova. Continuam o Ju, na guitarra, e o Beto Cavani, na bateria. Eu canto e toco violão e guitarra. E o Rinaldo Costa, antigo e querido amigo, assume o baixo. Bem vindo, Rinalds! Tem sido muito bom rearranjar as músicas para esse formato, o que tem feito tudo, até músicas antigas como ‘Isadora’, parecerem uma novidade para mim. Isso é estimulante e me faz ter muita vontade de seguir tocando o barco.

Mas eu não poderia deixar de lembrar de caras que permitiram que essa nova fase existisse. E meu agradecimento aos meus antigos companheiros é o principal motivo deste texto. É esse agradecimento que chega tarde. Mas digo a eles que o atraso é só nas palavras, já que sempre, desde o começo, me senti grato a eles. Como continuo até hoje.

Mateus Baeta e Tiago Ianuck foram caras que se juntaram a mim desde que minha última banda terminou e eu segui carreira solo. O “solo”, obviamente, é uma grande ilusão, já que para meus discos existirem eu sempre contei com a ajuda e dedicação de caras como o Mateus e o Tiago, que tocaram baixo e teclado no meu primeiro disco e ajudaram a formatar todas as músicas do segundo disco. A essa lista, soma-se o guitarrista Bruno Sres, que entrou um pouco mais tarde, mas foi fundamental para que as músicas que estamos lançando agora e todo o segundo disco existissem.

Tocar com esses três caras foi uma das coisas mais bacanas que já me aconteceram. Gentis, sensíveis e comprometidos, os três ajudaram a transformar os ensaios e shows em momentos tranqüilos, de amizade e sempre agradáveis. Talentosos, ajudaram a melhorar, e muito, minhas canções, que eu componho muitas vezes em parceria com o Ju.

Velhinhos, muito obrigado mesmo. O fim dos ensaios juntos fez com que a gente praticamente parasse de se encontrar. Tempo de sobra nunca foi mesmo um luxo que a gente teve. Mas eu gosto de vocês pacas. Saibam disso. Beijos!

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Canções ao mar

Tem dias que você tá buscando o que escrever e ‘tóin’: dá de cara com um texto que já fala o que você queria. Aconteceu de novo comigo dia desses, lendo a edição deste mês da Bravo!. Lá tem o texto ‘Garrafas ao mar’, do redator-chefe da revista, João Gabriel de Lima. Ao falar da sua geração de escritores, ele aponta: “Até gostamos quando a palavra ‘escritor’ aparece primeiro no pé biográfico de algum de nossos artigos. Mas, descontadas as exceções, somos, humildemente ou orgulhosamente, exatamente isso: jornalistas e publicitários – e médicos, psicanalistas, professores, diplomatas, ferreiros, carpinteiros – que também escrevem”.

Mais adiante, ele afirma: “O fato reflete um espírito de época. Somos romancistas céticos em relação à importância do romance para a cultura brasileira. Qual a nossa ‘missão’ na sociedade? Provavelmente nenhuma – e ainda bem! Agora temos a liberdade de escrevermos sobre o que quisermos. Temos a consciência de que nossos romances não irão mudar o mundo. Escrevemos sobre nossas paixões e já não sabemos para quem escrevemos. Nossos romances são como garrafas jogadas ao mar, que podem atingir grupos pequenos ou grupos grandes. Não sabemos para quem escrevemos e, para nós, o maior prazer é justamente este: encontrar leitores que não sabíamos que existiam”.

Pois nenhum texto sobre a cena independente no país que eu tenha lido nos últimos anos fez com que eu me identificasse tanto quanto me identifiquei com esse texto. Substitua “escritores” por “músicos”, “livros” por “canções” e “discos”, “leitores” por “ouvintes”, que você terá uma bela descrição de como me sinto fazendo música.

Não é por acaso que meu primeiro disco, lançado em 2005, se chamava ‘Lançando Sinais’. Na capa, a bela ilustração de um farol feita por Mário Baratta. O título era um manifesto da condição de músico independente, que lança suas canções para um público que ele não sabe se realmente existe, mas pressente que está lá, pronto para se identificar com suas canções.

No meu caso, sei que o grupo que atinjo não é grande. É pequeno. Isso quando comparo até mesmo com outras bandas independentes, como eu. Mas acho que poucos artistas são tão felizes como eu com relação a isso. Uma pessoa que me escute e diga – “Ei, Beto, eu adoro aquela sua música” – já justifica toda minha produção. E digo mais: mesmo que eu não tenha como demonstrar isso, tenho certeza de que meu público reúne, proporcionalmente, mais pessoas legais que qualquer outro. Às vezes sinto, fortemente, que eu poderia amar cada um dos meus ouvintes. Tenho fé de que são pessoas amáveis, como eu tento ser.

Qualidade. Meu público tem qualidade. Arrogante? Ah, não sei. Talvez seja só excesso de auto-estima, vai. Às vezes sofro desse excesso... e como é bom! Claro que existe muito mais gente por aí que ainda precisa ouvir minha música. Gente que tenho certeza de que irá gostar. Por isso, sigo meu caminho, mantenho esse blog, termino meu segundo disquinho (que, aliás, tá ficando bem bonito e mês que vem vocês poderão ouvir três músicas dele). Mais canções ao mar pra chegar aos ouvidos de pessoas bonitas e do bem.

Se eu digo que elas “precisam” escutar, não é no sentido de que minha música é fundamental ou coisa assim. Como diz João Gabriel no seu texto, não temos mais uma missão na sociedade. Temos apenas paixões para dividir. E dividir paixões, quando se trata de paixões expressas pela arte, é uma delícia. Um beijo carinhoso para quem me ouve (ou pra quem me lê!). :-)

PS: A edição da Bravo! em questão traz uma notinha sobre o disco do Superguidis. Falam bem!

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

“Está-me no sangue”

Não sei se existe um tipo de transtorno parecido com o bipolar, em que a pessoa alterna fases em que ta pronta para uma boa discussão com outras em que tudo o que quer é ficar quieta, deixando as confusões de lado. Se existir, acho que eu sofro desse treco aí.

Vivo me alternando entre esses dois estados. Tem dia que acordo meio bravinho e resolvo falar mal de quem eu acho que merece. É nesses dias, geralmente, que dou uns tiros (sem muita chance de acertar) nos pés, falando mal de quem um dia, talvez, quem sabe, poderia me ajudar. Nessa, já meti o pau na MTV, no Multishow, nas gravadoras e por aí vai. Até o Philippe, meu patrão!, já resolvi alfinetar.

Daí tem dias em que eu acordo e acho que isso de ficar criticando é uma bobagem. Que eu devia mesmo era me dedicar só às palavras gentis. Falar bem do que eu gosto e deixar o que me incomoda pra lá. Minha vida seria mais tranqüila se eu fosse calminho o tempo inteiro. Meus textos seriam só sobre o aniversário de 95 anos da minha vó, do amor que sinto por Brasília, do quanto gosto do Superguidis e que queria ser Adriana Falcão e Frank Jorge. São textos legais, que deixam as pessoas mais felizes e emocionadas e me rendem umas mensagens carinhosas. E quem não gosta de carinho?

Mas não sei o que me dá. Tem dia em que eu vejo um negócio que acho feio e não consigo me segurar. “Está-me no sangue.” Venho aqui pro computador e tóin.

Agora estou na fase o mundo é belo. Como é gostoso. Por isso, quero só recomendar aos meus amigos o sorvete de iogurte com mel que tem no Dona Lenha da 201 sul. Acho que é a sobremesa mais barata do cardápio e é uma delícia. É exatamente o que promete, sorvete de iogurte adocicado pelo mel.

Também queria dizer que se um dia escrevesse um livro, queria que fosse tão legal quanto ‘O homem ou é tonto ou é mulher’, do português Gonçalo M. Tavares. É de lá que tirei o título deste texto. Quantos (e quais) livros preciso ler para escrever um bom desse jeito? Uns trechinhos para vocês se animarem a lê-lo, caso não o conheçam:

O amor é sacana.
Quando começamos a apanhar-lhe o ritmo, ele muda de ritmo.
É um palerma, o amor!
Ou é muito lento, ou é todo apressadinho.
E nós sempre com os mesmos pés.

O amor é um palerma!

***

Ontem construí um barco de pedra.
Não funcionou.
Dói meu ponto de vista, o oceano ainda não se encontra preparado para as grandes invenções.
Um barco de pedra é uma grande invenção.
A água não o percebeu assim, paciência.

Gosto de inventar coisas.
Principalmente coisas inúteis.
Por isso mesmo umas pessoas chamam-me poeta, outras
vagabundo.
Infelizmente são mais as pessoas que me chamam de vagabundo.
Mas tudo bem.
O mundo sempre foi assim.
Sempre houve maior número de idiotas do que de outras pessoas.
A isso chama-se multidão.

Se um tipo fica sem voz vem logo uma pá de gente
oferecer remédios para a garganta,
mas depois, quando começamos a falar, ninguém nos ouve.
Dão-nos remédios para a garganta e depois
pedem-nos silêncio.
Não me parece bem.
Ou não nos davam remédios,
ou deixavam-nos falar.

Enfim.

O mundo é isto.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Baixio das Bestas X Tropa de Elite

É uma pena que ‘Tropa de Elite’ tenha vazado e acabado se transformando no filme brasileiro do momento antes de ter chegado às telonas. Isso porque o bafafá fez um outro filme nacional que já estreou nos cinemas passar sem muitos comentários, e eles eram necessários. Trata-se de ‘Baixio das Bestas’, o novo filme do diretor Cláudio Assis, que fez também ‘Amarelo Manga’.

Eu já vi os dois. Quer dizer, vi o ‘Baixio’ no cinema e a versão “inacabada” de ‘Tropa de Elite’ no DVD pirata. Minha intenção era ver ‘Tropa’ só no cinema, mas ao visitar um amigo justo na hora em que ele colocava a cópia pirata dele no DVD acabou atiçando minha curiosidade a ponto de não resistir.

Aparentemente os dois filmes não tem muito a ver. Mas ambos falam de um Brasil marginal e miserável, e ambos causam na gente aquela sensação de “caramba, isso não tem jeito de resolver”. Mas ‘Baixio’ ganha em importância ao virar suas lentes para um Brasil que consegue ser mais abandonado que as favelas cariocas.

A história da menina que é abusada por todos – pelo avô que ganha dinheiro com caminhoneiros que pagam para vê-la nua, pelo garoto classe média que a princípio se revolta com sua situação, mas depois se convence de que também pode usá-la como quiser e, mais tarde, pela dona do bar que passa a vendê-la para os caminhoneiros que passam por ali – é uma história que precisa ser encarada e remoída por um país que parece praticar a arte do abandono e do fechar de olhos.

Cláudio Assis volta suas lentes para esse Brasil com um olhar de documentarista, captando diálogos tão verdadeiros que parece nos transformar em forasteiros de passagem por uma cidade do interior de Pernambuco. Ver o filme é uma experiência que choca, ao testemunharmos diálogos que deixam claro o quanto a exploração e abuso de mulheres, sejam adultas ou não, parece fazer parte da cultura brasileira. A conversa da dona do bar com um cliente sobre a garota que passa a se prostituir é um soco no estômago: “Essa aí vai te render muito”, diz ele. “Deus te ouça”, ela responde, esperançosa e feliz.

O curioso é observar que por mais que tente, ‘Tropa de Elite’ não consegue o olhar neutro e documental de ‘Baixio’. Cláudio Assis nos leva por uma viagem de imagens explícitas e quase sem pudores que torna tudo tão real a ponto de precisar nos lembrar que estamos no cinema (na ótima cena em que Matheus Nachtergaele olha para câmera e diz que o bom do cinema é que lá podemos fazer o que quisermos).

‘Baixio’ ganhou merecidamente o prêmio de melhor filme no Festival de Brasília de 2006. Mas em 2007, pelo jeito, será escanteado pela atenção em torno de ‘Tropa de Elite’, assim como ‘Amarelo Manga’ foi sombreado por Carandiru. Deve ser porque mesmo na hora de olhar seus excluídos, o brasileiro concede privilégios, achando mais importante o que está mais próximo (do Rio e de São Paulo).

Mas se ‘Tropa’ é um bom filme ainda não sei dizer. Me parece perigoso adotar a visão do capitão do Bope como faz o filme, ainda mais num tempo em que os Estados Unidos tentam convencer a todos de que os fins justificam os meios na luta contra o mal. Mas vou esperar para ver no cinema o filme como deve ser visto antes de criticá-lo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Celebridades

Zygmunt Bauman, o filósofo que percebeu que o mundo hoje é líquido, disse que as celebridades cumprem a função de ligar os vários grupos nesse mundo tão fragmentado nosso. É só sobre elas que nós conseguimos conversar com quem quer que seja, do cobrador do ônibus àquele machista imbecil que calhou de ter uma mesa ao lado da sua no escritório. Não que isso seja um ponto positivo para as celebridades. É sinal de que o mundo anda mesmo mal.

As celebridades têm também, me parece, a função de causar aquela sensação de "não sei se rio ou se choro" na gente. Melhor rir, claro. Recomendo, como experiência sociológica, uma visita à seção 'Celebridades' do UOL, que lista uma série de blogs de famosos brasileiros. Já imaginou o que te espera, né? Pois é pior. Logo na letra A, lemos o nome do Alexandre Frota. É um link para o site do moço.

A mensagem que ele deixou gravada para ouvirmos tão logo acessamos sua página inicial é algo simplesmente indescritível. Tive que clicar em "atualizar a página" para ouvir de novo. Vá você e confira... Depois, repare no fato de que não há, em nenhum lugar, nenhuma referência a nenhum de seus filmes pornôs ou ensaios para revistas... Na seção 'carreira', há espaço apenas para televisão e teatro. Quelôco!

A coisa é tão braba, que entre as chamadas de destaque da página de blogs, está o de Sônia Abrão. Olha que beleza o jeito como ela inicia seu último post: "Como não tenho nenhuma esperança de que Renam Calheiros vá ser tirado da presidência do Senado, já que a votação é secreta; como ta na cara que não ficaremos livres da CPMF e, pra variar, Lula está fora do País nos momentos cruciais, prefiro falar de novela". Não é ótimo? Que jeito sagaz de mostrar o quanto é antenada e bem-informada, mas que tudo bem, até pessoas inteligentes como ela se ocupam com novelas.

Isso me lembra um trecho do livro do Marcelo Mirisola, O homem da quitinete de marfim, que estou lendo porque fui com minha namorada à Feira do Livro ouvi-lo e acabei comprando para ajudar o cara. É bom dizer, não foi dinheiro jogado fora (foi mal Lourenço, decidi citar o Mirisola mesmo sabendo que você, um dos meus pouquíssimos leitores, não o suporta):

"Quero usar como epígrafe a questão levantada pelo autor de Adorável criatura Frankenstein, Ademir Assunção: 'O que se pode esperar de uma época em que pastores evangélicos, peruinhas siliconadas e pagodeiros xaropes se tornam grandes comunicadores, ocupando o espaço da circulação de idéias?' Nada, Ademir. Absolutamente nada".

Nada, tipo assim: "Oi, eu sou o Alexandre Frota... e carioca... rubronegro... e... amante da juventude e do esporte".

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Histórias para os netos I - África

Pra chegarmos logo à parte legal da história, vou ser rápido no começo. Em dezembro de 1993, quando ainda tinha 20 anos, embarquei para um intercâmbio de três meses na África do Sul. Lá, morei com uma família muito legal, os Schruaus-alguma-coisa, um nome que nunca consegui pronunciar nem soletrar, e tive a chance de conhecer um país que estava recém saído do apartheid, já presidido por Nelson Mandela.

Antes mesmo de embarcar, tinha comprado um pacote de quatro dias para um safári fotográfico em plena savana africana. Imaginava que seria o ponto alto da viagem e, de fato, estava certo. Foi mesmo cheio de altos. Altos mosquitos, altas temperaturas, altas saudades da civilização. Na van, dirigida pelo guia Gary Freeman (não dava pra esquecer esse sobrenome), conheci o grupo de estudantes, brasileiros que nem eu, que me acompanhariam naqueles dias. Éramos sete, três meninas e quatro meninos.

Eu havia visto fotos fantásticas de safáris, mostrando turistas em jipes maneiros e hotéis cinco estrelas no meio da selva. Estava todo empolgado, até perceber que o caminho que estávamos fazendo lembrava demais as trilhas para o Poço Azul. A ficha começou a cair e eu pensei que de fato, só com aquelas dezenas de dólares que eu havia investido, não ia conseguir acomodações luxuosas. Quando a van parou, vi uma cabaninha de pilastras de madeira sustentando uma lona preta e quatro barracas de lona verde, com camas de exército lá dentro, ardendo sob um sol dos infernos.

Confesso que me senti ridículo, lembrando do Protector Elétrico que tinha levado na mala e percebendo que a tomada mais próxima estava a quilômetros de distância. Depois, me senti azarado, quando descobrimos que o rio que passava pelo acampamento, e que tinha garantido a felicidade da turma da semana anterior, tinha secado, devido ao calor de lascar. Eu começava a calcular quantas horas faltavam pra eu me mandar dali, quando o guia anunciou a primeira expedição pelas matas ao redor do acampamento. E expedição em safári econômico significa andar em fila indiana, sem poder conversar, para não espantar os bichos das redondezas, olhando pro chão com medo de pisar num buraco ou numa cobra (vai saber?) e ficar dando tapas na própria nuca melada de suor pra espantar os mosquitos.

Confesso que tava tão de saco cheio que nem me emocionei quando o guia fez aquele gesto que qualquer um que já viu filmes de guerra sabe que significa parar, porque tem algo ali na frente. Lá longe, víamos um elefante. Macho, a gente descobriu, porque o guia não parou de brigar com as meninas que ficavam falando “olha a orelha, olha a tromba” e com os meninos rindo e repetindo, em tom safadinho, “tromba?”. “Se fosse uma fêmea com filhotes já teria nos atacado. Parem de falar agora”, dizia ele, tentando tirar da gente aquele jeito de adolescente no Simba Safári.

O sol mostrava que restava pouco mais de uma hora para anoitecer quando voltamos para o acampamento. Era hora de entender como funcionava o banho. O seu Freeman mostrou um balde de metal que tinha uma torneirinha acoplada ao fundo, pelo lado de fora. Tínhamos de encher o balde e levá-lo por uns 20 metros até o boxe – um biombo feito de tábuas que impedia que nos vissem pelados do acampamento. Lá, a gente pendurava o balde num gancho e puxava uma corda até o balde ficar acima da cabeça. Aí, era só abrir a torneira, se molhar, fechar a torneira. Passar sabão, abrir a torneira, se enxaguar, fechar a torneira. Olhando o sol se por, não vacilei e tão logo Gary perguntou quem queria ir primeiro, já fui catando o balde da mão dele.

Fiz tudo direitinho, como ele havia ensinado e, com o balde já posicionado sobre minha cabeça, comecei a tirar a roupa. Já tava sem camisa e descendo a bermuda quando ouço um “pou”... “pou”... “pou” atrás de mim. Virei e quase não acreditei no tamanho do elefante que vinha andando calmamente em minha direção. Esse tava perto e era gigante, igualzinho o da foto. Subi a bermuda e fiquei ali, olhando o bicho, enquanto ouvia a garotada toda correndo em nossa direção, felizes da vida. Pararam ao lado do boxe, respeitando minha possível nudez e o bicho vindo, com suas pegadas monstruosas – “pou”... “pou”... “pou”. Parecia que ele ia só passar por nós, assim, que nem transatlântico cruzando o mar lá distante, quando a gente ta na praia. Mas não. O bicho parou e deu uma viradinha de cabeça da qual nunca vou esquecer. Aluguem Parque dos Dinossauros e revejam a cena que o dino coloca a cabeça na janela, com aquele olhão assassino. Foi daquele jeito.

A viradinha de cabeça fez todo mundo gelar, mas ainda havia uma certa calma, porque Gary estava ali do nosso lado, aparentemente tranqüilo. Porém, o elefante resolveu dar uma bufada, tipo touro se preparando para investir contra o toureiro, e um passo em nossa direção. Não bastasse isso, o guia resolveu arregalar os olhos e engatilhar sua espingarda, apontando pro animal. A gritaria foi geral, assim como o princípio de correria. Nesse exato momento, me lembrei de que uma das instruções de Gary era a de jamais corrermos de um animal, mas ficarmos atrás dele, que andava armado e, logo, era a nossa única chance de proteção. Por isso, na melhor das intenções, gritei para todos “don´t run!, don´t run!”, assim mesmo, em inglês, mesmo que fossem todos brasileiros, porque o medo sempre faz a gente agir de forma um tanto tola.

Meu pedido causou um efeito “batatinha frita um dois três” na meninada e todos pararam nas exatas posições em que estavam, como corredores congelados. Agi com a melhor das intenções, mas cometi um grave erro, gravíssimo: ter gritado “don´t run” justamente enquanto eu mesmo, movido pelo pânico, corria desenfreado. O resultado foi que todos meus companheiros de safári me viram passar correndo por eles justamente depois de mandar o “don´t run”, o que gerou uma grave desconfiança sobre meu caráter. Afinal, pareceu que eu queria apenas ganhar vantagem para que o elefante os aniquilasse primeiro e assim me poupasse.

Não me perguntem o que aconteceu depois. Não sei. Só sei que nenhum tiro foi disparado e ninguém morreu. O elefante não nos atacou, mas eu estava muito longe pra ver o momento em que ele se virou e em que direção seguiu. O episódio serviu pra nos convencer de que aquilo era bem diferente do zoológico e tornou a viagem muito mais divertida. No dia seguinte, descobrimos que no acampamento, atrás da barraca de lona, havia um jipe maneiro e fizemos uns passeios refrescantes, com o vento nas nossas caras, em busca de animais selvagens. Vimos zebras, girafas, empalas, búfalos. Depois de quatro dias, voltei com dois filmes de fotos que mostram animais selvagens totalmente fora de foco, 37 picadas de pernilongo somente na mão esquerda e a certeza de que não nasci para ser biólogo.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Traição, egoísmo e metamorfose rumo ao velho

Lobão fez as pazes com a grande mídia. Amanhã, sexta-feira, aparece mais uma vez na Globo, como principal atração do Som Brasil em homenagem a Raul Seixas. “Ressucitado” pelo acústico MTV, voltou a dar as caras no Faustão e afins e parece uma figura onipresente. Segunda passada, estava no Roda Viva, como um dos entrevistadores. Ontem, quando entrei no UOL, li a seguinte chamada na capa do portal: “Lobão: ‘o artista tem obrigação de trair’”. Ao clicar no link, era possível assistir a uma entrevista que Lobão deu a Clemente (Inocentes e Plebe Rude), dizendo que a obrigação do artista era trair, porque ele prefere “ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

Eu tava achando que o episódio Lobão e os independentes, se ele foi um traíra ou não, havia passado. Mas o próprio músico parece que se esforça para não deixar o assunto morrer. Hoje, na coluna sobre televisão do Correio Braziliense, Lobão aparece dizendo que ficou muito feliz com o repertório que cantou para o especial da Globo. “São músicas que dizem aquilo que gostaria de falar pra muita gente”. No repertório está ‘Metamorfose ambulante’, a mesma que tem a frase que ele citou para justificar a traição. Bom, o próprio músico resolveu a questão. Ele é mesmo um traidor. E pelo jeito se orgulha disso.

E além de traidor, Lobão é egoísta. As palavras, de novo, são do próprio músico. Foram ditas à revista Rolling Stone, a que tem o Darth Vader na capa. Lá, Lobão disse que fez o que fez dentro do meio independente “por egoísmo”, para garantir o próprio espaço, quando precisava.

Dito isso, é possível iniciar uma reflexão sobre a sensação de traição que assolou parte dos músicos e produtores independentes. O que é compreensível. Por um momento, pareceu mesmo que Lobão estava do lado do meio independente contra o domínio forjado à base de grana e jabá das gravadoras. Agora, o lobo mostra que nunca esteve de outro lado que não o seu. Estava na verdade excluído das majors, na geladeira, e para não paralisar congelado buscou o calor efervescente do independente.

Mas que bom que fez isso. Tanto Lobão como o meio independente ganharam. O músico continuou tendo visibilidade e conseguiu continuar sua obra, lançando três discos. Nós, independentes, ganhamos porque a mídia, ainda presa a nomes do mainstream, considerava Lobão um cara digno de ser ouvido. E durante alguns anos, o que ele tinha para dizer era justamente sobre a existência do meio independente e de sua rica produção. Com Lobão precisando do meio independente, ele ajudou a fortalecê-lo.

Por isso, apesar de poder se sentir traído (afinal, o próprio músico se diz traidor), o meio independente não deve se sentir órfão. Se um dia Lobão, excluído das grandes gravadoras, achou abrigo no meio independente, é porque este está fortalecido, cada vez mais. Os independentes hoje têm uma força alcançada com trabalho e organização, possibilitada por novas tecnologias. E esse meio não precisa de uma ou outra figura específica para existir e continuar se desenvolvendo.

Isso significa, em outras palavras: vá em paz, Lobão. Mas, antes de me despedir, é preciso lembrar ao músico que, ao contrário do que ele tenta nos fazer acreditar, não é rumo ao novo que ele partiu quando decidiu dar essa nova guinada em sua carreira. É rumo ao velho que ele aponta. Em sua nova metamorfose, o músico conseguiu voltar a ter aquela velha opinião formada sobre tudo, a opinião forjada pela aliança com os velhos esquemas das gravadoras.

Um exemplo: se há alguns anos, era a criminalização do jabá sua principal preocupação (porque isso ajudaria a diminuir a barreira que impede os artistas independentes de chegar ao público), hoje seu discurso se volta para a redução do preço dos discos. Outro exemplo: no Roda Viva, chegou a falar mal de quem baixa música de graça na rede... Conveniente para ele, que agora tem suas músicas “trabalhadas” nas rádios e só quer mesmo vender mais discos, financiados pelos velhos executivos que pagam jabá às rádio.

Quando o Som Brasil for ao ar amanhã, homenageando Raul Seixas, o programa terá como principal atração um músico que conseguiu trazer uma nova leitura à letra de ‘Metamorfose ambulante’. A de que nem sempre a mudança é para algo novo. Um belo feito. Parabéns, Lobão.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Astronauta em Brasília

Um vídeo indicado pelo Olímpio. Parece mesmo a estranha imagem que tive quando li a entrevista que Clarice Lispector fez com Oscar Niemeyer, da qual falei ali embaixo, no post 'E você sempre vê apartamentos acesos'!

Abração, Olímpio.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Entrevista com Dona Nita

Hoje minha vó Ana faz 95 anos. Por isso, é Dona Nita quem estréia o espaço de entrevistas do blog. Acanhada, só quis responder algumas perguntas sobre a vida, a família, suas lembranças e o amor.

Vó, quantos anos a senhora tá fazendo hoje?
95.

E é bom ou ruim?
É bom. Acho que passei bem o tempo.

E o que é o melhor em fazer 95, vó?
Ah, acho que a gente viver bem com a família, estarmos todos juntos.

E qual a melhor lembrança que a senhora tem? Consegue pensar em alguma?
Tenho muitas lembranças boas. Acho que quando meu filho mais velho fez aniversário [de um ano]. Foi muito bom. E depois vieram os outros filhos. Todos foram muito bons também. Viveram bem. Acho que isso é que vale.

E, vó, o que a senhora acha que é a coisa mais importante na vida?
Acho que é viver bem, ser honesto, trabalhador, não depender dos outros.

Vó, a senhora sabe me dizer o que é o amor?
Amor é muito bom. A gente depende do amor pra viver.

E vó, que mensagem a senhora queria mandar pra sua família hoje, que a senhora faz 95 anos?
Que estejam bem, com saúde. Que sejam trabalhadores. Que convivam com a família e com as outras pessoas com amor. Acho que isso é que vale.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

O beijo no gramado

Foi só uma comemoração dessas que os jogadores de futebol adoram fazer, mas o resultado foi o mesmo do famoso beijo criado por Nelson Rodrigues. Depois de marcar seu primeiro gol com a camisa do São Paulo, o atacante Richarlyson se uniu a outros dois companheiros de time e mandou ver nos passos de uma coreografia funk. Pôs as mãos nos joelhos e balançou os quadris, primeiro para a esquerda, depois para a direita. Os outros dois jogadores fizeram a mesma coisa, mas Richarlyson ultrapassou um limite não permitido aos machos latinos: dançou bem demais. Enquanto os companheiros demonstraram toda a falta de gingado esperada dos homens-que-são-homens-mesmo, Richarlyson mostrou uma destreza que poderia ser simplesmente admirável. Mas foi seu pecado.

Apesar de não ter beijado nenhum homem na frente de todos, como faz Arandir, em O Beijo no Asfalto, Richarlyson se tornou vítima da mesma perseguição que Nelson Rodrigues imaginou para seu personagem. Assim como acontece na peça, o jogador acabou julgado pela mídia e enfrentando problemas na justiça só porque agiu de uma maneira como os outros acham que um homem não deveria agir e, assim, foi “acusado” (e o tom é mesmo de acusação!) de ser gay.

Se na peça há o jornalista sensacionalista, que quer vender mais jornal, no “caso Richarlyson” entram os comentaristas de mesa redonda (que ficam tentando descobrir se é verdadeiro o boato de que um jogador irá assumir sua homossexualidade), os dirigentes de clube de futebol (com suas asneiras pronunciadas na televisão) e os “idiotas” da Internet (que mais uma vez mostram o quanto são mesmo idiotas e inventam piadas e vídeos que conseguem ser tão tristes quanto preconceituosos). Se na ficção existe o delegado que quer se promover, na vida real aparece o juiz infeliz que aproveita uma sentença para desrespeitar o jogador e ofender a homossexuais e negros.

E aí a tragédia brasileira está pronta para ser novamente encenada. Uma tragédia deprimente, na qual a velha mania de julgar os outros pela aparência parecem não ter fim. Na qual só existe espaço para a visão estreita que não admite outras formas de ser homem a não ser a do heterossexual contido e reprimido nos seus gestos, de fala grossa e viril, que não “exagera” na hora de demonstrar alegria ou tristeza, medo ou empolgação.

O que a história envolvendo o jogador do São Paulo mostra não é só o medo (e só pode ser medo) que o brasileiro ainda sente dos homossexuais. O caso deixa evidente também o quanto somos presos a uma idéia restrita e pequena do que é ser homem. Na verdade, pouco importa se Richarlyson é gay ou não. Pois a primeira acusação feita a ele foi a de ser não-homem, a de agir em desacordo com o que se espera de um “homem”.

Por isso, deixo a ele minhas felicitações. Porque esse modelo de homem que nos impõem desde que nascemos aqui no Brasil, e que ele desafiou, é um dos mais ridículos que poderia existir. Ser “homem” no Brasil é triste. É patético. E nessa história toda, o único que não tem sido patético é Richarlyson, como mostrou domingo passado no Fantástico, concluindo sua entrevista com um desejo que deveria ser o de todos nós: “Que as pessoas possam viver da maneira que se sintam bem e que as outras tenham a consciência de que cada um tem o direito de viver a sua vida da maneira que ache melhor”.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Visitando a cena

Pra quem não viu, taí embaixo a matéria do Programa Trama Virtual, do Multishow...

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O novo rock de Brasília na TV

Quem não viu ontem (que nem eu) o programa Trama Virtual, no Multishow, pode conferir durante a semana a matéria sobre o novo rock de Brasília, com participação minha e de tantas outras bandas legais daqui, como Prot(o), Bois de Gerião, Lucy and the Popsonics, Móveis Coloniais de Acaju, Superquadra e mais.

Não sei o que entrou na edição, mas lembro de ter dito uma coisa que é verdade: a de que adoro fazer parte dessa cena tão ampla que tem em Brasília e de como artistas daqui influenciam meu trabalho. Além das bandas que foram convidadas para participar, fiz questão de citar outras quatro que adoro: Phonopop, Disco Alto, Suíte Super Luxo e Watson.

Com exceção do Suíte Super Luxo, já toquei músicas de todas essas bandas em alguns shows. E quando rolou um projeto do programa Cult 22 no qual podíamos escolher uma música de Brasília, de qualquer tempo, para gravarmos, escolhi ‘Eu quero envelhecer’, do Watson, belíssima. Ouçam ela ali embaixo.

O programa Trama Virtual vai ao ar ainda nos seguintes dias e horários, no canal 42 da Net: terça, à 1h e às 12h30; quinta, às 14h; e domingo, às 3h30. O primeiro já é nessa madrugada! Ah, e por favor ignorem a cara medonha com a qual devo aparecer. É que acordei em cima da hora pra entrevista e não deu tempo de lavar a cabeça, nem de fazer a barba nem de desinchar a cara... Foi mal aí.

Eu quero envelhecer (Watson)

Insisto em aplicar
A esses sons um tom amargo
Eu nem sei por quê

Qualquer desilusão
Traz doze meses mal amados
Eu nem sei por quê

Merda nenhuma salva!

Eu quero enlhecer
Quero te esquecer
Quero enxergar bem mal
Bem mal

Quero pedalar
A bicicleta mais usada
Ventos vão correr

Que a morte me espere
Sem que eu espere mais por ela
Eu nem sei morrer

terça-feira, 31 de julho de 2007

Na rádio espanhola

Dia desses estava conversando com um músico que iniciou sua carreira algumas décadas atrás e o ouvi dizer que sentia saudades da época em que as músicas tinham chance de circular por aí, capturando a emoção do público. Os ouvintes podiam ligar para as rádios, dando um retorno real sobre o que achavam das novidades e assim ajudar na contrução da programação, muitas vezes impulsionada por DJs com real preocupação em mostrar coisas novas e legais aos seus ouvintes.

Naquela época, me parece, o artista tinha ainda a chance de se surpreender com sua música sendo tocada no rádio e isso significar, realmente, que havia tocado os corações das pessoas. Hoje, lamentava esse músico, a música toca repetidas vezes até o público se acostumar, se assim for negociado entre emissoras e gravadoras. Um sucesso é mais uma imposição que uma conquista do artista. Tristes tempos...

Mas daí surgem as novas tecnologias e começam a mudar as coisas para melhor (pelo menos em termos de divulgação das músicas). Esta semana, por exemplo, fiquei sabendo que meu mais recente single, 'O tempo contra nós', tocou em um programa da Espanha. É o Plastico Elastico, que vai ao ar todos os dias na Rádio Onda Madrid.

O apresentador mantém no Myspace a lista das músicas que tocou em todos os programas, com links para as páginas onde nós podemos baixá-las. Ao mesmo tempo em que a prática de cartas marcadas se consolida nas rádios, surgem programas como esse, feito por gente que consegue garimpar novidades independentes na rede e disponibilizar ao público.

Vira e mexe, chega uma notícia desse tipo. Já soube que rádios de norte a sul (literalmente, pois sei de rádios de Porto Alegre e de Rio Branco) que incluíram alguma música do meu repertório nas suas programações. E é isso que me faz adorar ser independente, poder ter a felicidade de saber que uma música minha, que não conta com jabás nem verba publicitária para ser "trabalhada", acaba sendo tocada em lugares tão distantes. :-)

segunda-feira, 30 de julho de 2007

E você sempre vê apartamentos acesos

"Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado. Sem chofer". (Clarice Lispector)

Ontem tive um medo pior que o de morrer. Senti medo de não ter existido. Foi lendo o livro que reúne as entrevistas que Clarice Lispector fez com personalidades brasileiras para a revista Manchete, entre maio de 1968 e outubro de 1969, e para a revista Fatos e Fotos: Gente, entre dezembro de 1976 e outubro de 1977. Já escritora reconhecida e admirada, as entrevistas serviam à Clarice como forma de complementar a renda. E por ser quem era, ela conseguia arrancar intimidades de gente como Nelson Rodrigues, Rubem Braga, Chico Buarque, Millor Fernandes, Vinícius de Moraes e tantos outros.

O método de entrevistas de Clarice era fantástico. Pediu a Nelson Rodrigues, por exemplo, a verdade, e ouviu confissões tocantes do gênio, como quando ele fala que sua amizade por Otto Lara Rezende não era correspondida: "O Otto nunca me me deu um telefonema. Estou dizendo isso com a maior, a mais honrada, a mais inconsolável amargura".

É de Nelson, aliás, uma das mais saborosas entrevistas. "Do ponto de vista amoroso encontrei a Lúcia. E é preciso especificar: a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal", fala o escritor em determinado momento. Ao que Clarice responde: "Ah, Nelson, isso é tão verdadeiro".

Pela relação que tinha com seus entrevistados podia, por exemplo, propor aos poetas e compositores que criassem ali, de improviso, alguns versos. Na entrevista com Chico Buarque, por exemplo, escreveu:

_ Você quer fazer um versinho agora mesmo? Para você se sentir não vigiado, esperarei na copa até você me chamar.

Chico riu, eu saí, esperei uns minutos até ele me chamar e ambos lemos sorrindo:

Como Clarice pedisse
Um versinho que eu não disse
Me dei mal
Ficou lá dentro esperando
Mas deixou seu olho olhando
Com cara de juízo final

A leitura de 'Entrevistas' (Rocco) seguia fácil e estimulante na madrugada de domingo até que cheguei à conversa com Oscar Niemeyer. E foi lendo aquelas páginas que caiu a ficha: Brasília quase não existiu. Antes de ser contruída, era uma idéia absurda para muitos. E mesmo depois de inaugurada, a cidade que me formou e me faz existir quase foi extinta, numa luta de forças políticas que queriam manter a capital no Rio. Brasília era ainda uma criança quando Clarice entrevistou Niemeyer e, para a escritora, era um grande vazio, um símbolo da morte.

A entrevista de Clarice é corajosa. Ela pergunta seguidas vezes ao criador o que ele pensa sobre suas impressões a respeito da nova capital. Uma hora ela provoca: "Por que você acha que escrevi: Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado. Sem chofer". E Niemeyer diz: "Por que Brasília lhe parece uma cidade sem vida. Quando Le Corbusier comentou que Brasília estava ameaçada de abandono pelo governo de Castelo Branco, ele respondeu: 'É uma pena! Mas que belas ruínas teremos.'".

Que visão assustadora, angustiante, imaginar Brasília uma ruína brasileira, como diz Caetano em 'Fora da Ordem' - "Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína". Imaginei-me, primeiro, personagem de um filme insólito, solitário andando pelas ruínas monumentais de Brasília. Depois, percebi que sem a cidade não seria o que sou, mesmo se tivesse nascido em outro lugar.

E daí veio uma súbita consciência da responsabilidade que nós, brasilienses, por nascença ou opção, temos. A de dar vida a uma cidade. A de fazê-la pulsar, criar, falar e fazer sentido para o resto do mundo. Em nenhum outro lugar faz tanto sentido ser artista como em Brasília, um esqueleto que nasceu sem carne, órgãos vitais e coração. Uma cidade que nasceu antes de viver, sem povo. E povo se faz com identidade, com cultura.

E de repente, assim, numa madrugada fria tão característica de Brasília, entendi porque sempre me emociono quando ouço Renato Russo cantar "E você passa de noite e sempre vê apartamentos acesos". Sempre achei que esse verso era a cara de Brasília. Que bom, por que as luzes acesas rompendo a escuridão nas superquadras é sinal de vida.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Bailarinas

Demos uma pausa nas gravações do segundo disco para que o Philippe, nosso querido produtor, fosse curtir sua lua de mel. Ainda não falei muito desse disco, mas adianto que eu busquei fazer algo diferente do primeiro, em termos de letras e sons. É claro que muita coisa vai remeter ao primeiro disco. Existem baladas e canções de amor nesse também. Mas o ‘Lançando sinais’ tinha realmente um tema único, que impôs uma sonoridade intimista muito particular.

No próximo, a banda buscou arranjos mais variados e algumas músicas estão mais “pra cima”. A entrada do Bruno Sres na guitarra também trouxe novas possibilidades de timbres e algumas músicas estão ficando bem diferentes. Uma das mais queridas pra mim é ‘Minha doce bailarina’, que compus depois de assistir, em dias muito próximos, a dois espetáculo de dança: ‘Brasília, cidade em plano’, do grupo Anti Status Quo, e 'Água e sal', do Basirah (na foto, com a querida Lívia Bennet). Além da música, também escrevi algumas impressões sobre 'Brasília, cidade em plano', que enviei ao grupo na época e que transcrevo ali embaixo, no próximo post.

Para o disco, que vejo como a narrativa de uma pequena jornada até “os dias mais tranqüilos”, essa música tem um significado especial. Pra mim, é sobre a arte e seu poder de nos levar à reflexão e, assim, nos transformar. Abaixo, deixo uma versão que gravamos num ensaio, como uma prévia. Foi ao vivo e tem uns errinhos. Portanto, perdoem os nossos deslizes...

Abraços!

Minha doce bailarina
(Beto Só)

Me dá de presente duas novas piruetas
Me faz me sentir o mais covarde dos caretas
Me faz pensar no que seu gesto quer dizer
Me faz lembrar da vida que eu tenho pra viver

Me faz criar coragem
Me faz sentir vontade
Me deixa só no canto
Mas não me olhe
Não me olhe enquanto dança

Me dá a luz azul pra que eu possa chorar
Me dá o amarelo se pretende me motivar
Me instiga com movimentos impossíveis de imitar
Me leva para um mundo que eu não posso controlar

Minha doce bailarina

Me dá de presente duas novas piruetas
Me faz me sentir o mais covarde dos caretas
Me faz pensar no que seu gesto quer dizer
Me faz lembrar da vida que eu tenho pra viver

Me faz esquecer do tempo
Me faz lembrar do belo
Me deixa arrepiado
Me faz soltar o verbo
Mas não me olhe enquanto dança

Minha doce bailarina

Me deixa curioso sobre seu pés
Me deixa fascinado por seu corpo de mulher
Me deixa admirado com todo seu suor
Me lembra como é saber o que é o bom e o melhor

Fosse Brasília uma bailarina

Sou muito racional. Talvez por isso, quando mais novo, sentia dificuldades em ver espetáculos de dança. O que eles querem dizer quando entortam o corpo desse jeito? Era o que eu mais me perguntava. Recentemente, passei a freqüentar um pouco mais apresentações de dança em Brasília. E me surpreendi ao ver que amo dança contemporânea. É perfeita para uma mente racional como a minha. Faz a gente pensar. Muito.

Das apresentações que vi, uma me marcou em especial. ‘Brasília – cidade em plano’ é o espetáculo que a Companhia Anti Status Quo (ASQ) apresentou no Núcleo de Dança de Brasília. Devo avisar que vou falar como leigo. Aliás, por não entender nada de dança, posso ser considerado um exemplar real e sincero do que chamamos de “público em geral”. E esse exemplar de público achou o espetáculo um “retratão” de Brasília, cidade que amo profundamente, sem deixar de enxergar os defeitos. Soubesse eu amar as pessoas como amo minha cidade, seria mais feliz.

Quando entramos na sala onde ocorre a apresentação, devemos nos sentar sob a luz azul. Seguiremos a luz azul o espetáculo inteiro. Ela anda, a gente anda atrás. Como se estivéssemos no céu azul da cidade, olhando a capital lá de cima. Do nosso pequeno céu particular, avistamos, no lado oposto da sala, quatro bailarinas nuas, deitadas em linha, em frente ao contorno dos prédios de Brasília. Uma cidade projetada no fundo branco, uma antecipação do que será daqui a 46 anos. Sim, porque agora Brasília nasce. Nua, tal qual as dançarinas. Estas se movimentam de forma tensa, parecem sentir dificuldades para realizar aqueles movimentos. Nascer é difícil e se nasce de pernas para o ar, como as quatro passam, em dado instante, a se mover. Belo.

Então o espetáculo volta ao chão. As quatro dançarinas rolam em nossa direção. Vêm e vão, alternadamente, chegando mais perto, retrocedendo. Um fluxo descasado, com idas e vindas, mas cada vez mais perto de nós. A cidade avança. Do chão preto de linóleo, é erguido, pelas mãos das dançarinas, o mesmo contorno da cidade projetado na parede branca. A cidade brota do chão. Nasce para vestir o corpo nu das meninas, que vestem-se da cidade que representarão para nós a partir daquele instante. Cada uma, uma faceta de Brasília. Uma cidade metamorfoseada em corpos de bailarina.

Essas diferentes facetas da capital somos convidados a conhecer mais de perto, quando, ao sermos libertados da demarcação da luz azul, podemos caminhar livremente pela sala. Descemos do céu e somos lançados nas entranhas da cidade. Uma cidade que pode parecer meio louca, sedutora ou tranqüila. Depende por onde se caminha, onde você se posta na sala. “Vamos sair daqui porque ta muito pesado. Parece que estamos no Conic. Vamos passear no Parkshopping”, digo apontando para o outro lado da sala, onde duas dançarinas parecem realizar movimentos mais suaves.

Minha reação é espontânea, brincalhona. Mas me pega de surpresa. Medos, preconceitos, exclusão social. O quanto disso tudo existe nessa tola brincadeira? A dança faz a gente pensar. Nunca pensei tanto sobre minha cidade como quando assisti a ‘Brasília – cidade em plano’. E aí enxergo um mérito e tanto da coreografia.

Meu pensamento é mais claramente direcionado quando o grupo lança mão de cartões postais, dispondo as fotos em diferentes partes dos corpos de quem dança. Fosse a cidade uma pessoa, teria os ombros e pés formados pelos candangos, os seios por sua sensual catedral (uma provocação apenas?), e a cobrir os olhos, cegando-a ou impedindo os outros de vê-la tal como é, o Congresso Nacional. Essa pessoa, infelizmente, pisaria sobre a Justiça, cotovelos apoiados no joelho, queixo repousando sobre o punho fechado.

Essa cidade, como diz Clarice Lispector, merece uma análise bem menos simplista do que dizer apenas se é bonita ou não. Brasília, resolveu bem Lispector, é como o nosso sonho. Nasceu para ser assim. Meu sonho de Brasília conversou o tempo inteiro com o retrato que o ASQ me ofereceu aquela noite. Em alguns momentos se encaixava, noutros causava até uma certa impaciência (“Ah, Brasília não é assim”, eu pensava), e em outros ainda só deixava a velha pergunta que sempre me acompanhou: “Mas o que elas querem dizer com isso?”

Mas me emocionou chegar ao final do espetáculo com a sensação de que nossos sonhos (o meu e o da companhia) se encaixavam. A visão de uma Brasília que é épica e digna de orgulho, com a pose altiva de quem olha pra frente, ao longe, como que se orgulhando do passado, sem perceber logo ali o excluído e esmagado. Eis minha visão de Brasília e minha visão da cena final. Belo. E intenso.

Brasília, julho de 2006.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

O papel do artista quando jovem

Atualmente estou gravando meu segundo disco. Devemos terminá-lo em agosto. Pretensioso que sou - essa é uma das críticas negativas que mais gosto de ouvir em relação ao meu trabalho -, me pergunto se estou conseguindo fazer um disco que importe, que faça sentido e possa acrescentar algo na experiência das pessoas que o escutem.

Recentemente, me deparei com duas sugestões direcionadas aos jovens artistas e que divido com vocês. A primeira é do escritor e diretor de teatro Fernando Bonassi (foto), que recentemente estreou em São Paulo a peça 'O Incrível menino da fotografia'. Em um programa da Globo News, ele afirmou que a única saída hoje para o artista é causar incômodo no público.

A frase foi dita dentro de uma reflexão sobre a função da arte nesses dias atuais, em que artistas e sociedade parecem anestesiados, sem saber o que pode ser feito para mudar o atual estado das coisas. Bonassi disse que quando alguns mais aflitos (e vira e mexe eu sou um desses aflitos) lhe questionam sobre o que devem fazer, ele sugere: "não façam". Não façam o que estão todos fazendo, não sigam o fluxo dos acomodados. Parem e se recusem a ir com os outros.

Dessa forma, Bonassi nos convida a lançarmos um olhar desconfiado à essa normalidade instalada que nos faz levar a vida assim, meio sem gosto e rumo ao caos - caos ambiental, intelecutal, cultural, social... Dentro desse contexto, ao artista resta, portanto, não levantar bandeiras ou indicar o caminho certo (como era possível e imperativo na década de 60), mas causar o desconforto que leva ao questionamento e nos ajuda a despertar da letargia. Ao defender essa postura, Bonassi parece aproximar o papel do artista ao do intelectual, que segundo o geógrafo Nilton Santos era o de "mostrar que as coisas podem ser diferentes".

A outra dica veio de um dos meus mestres, meu professor e hoje - com muito orgulho - colega Severino Francisco. Em um artigo que escreveu para o jornal da faculdade onde dá aulas, Francisco diz:

"Em um país invadido e submetido pela cultura estrangeira, como é o caso do Brasil, restam [ao artista] seis alternativas: 1) escrever uma carta em tupi-guarani reclamando para o presidente da República, como faz o personagem Policarpo Quaresma, de Lima Barreto; 2) entronizar a cafonice e proclamar "sou brega, mas sou feliz", como fizeram Xuxa, Hebe Camargo e as duplas sertanejas; 3) compor e cantar em inglês, como optaram alguns grupos de rock; 4) adotar um universalismo abstrato e ignorar qualquer circunstância local, regional ou nacional; 5) imitar a última novidade de Nova York, Paris ou Londres e fazer uma vanguarda requentada, de terceira mão; 6) assumir a condição brasileira terceiro mundista, com toda a sua potência e contradições, de uma maneira crítica e criadora, sem se fechar aos influxos da cultura internacional".

Mais adiante, ele continua:

"Embora esteja em baixa na pasmaceira pós-moderna conformista na qual estamos mergulhados, esta última me parece a atitude mais fértil se examinarmos a história da cultura brasileira."

Arrisco dizer, que em termos de música pop, estão no meio independente aqueles que têm potencial para seguir esse caminho, a começar pela teimosia de sobreviver à margem do pastiche de sonho americano vendido pelas majors, que entopem, às custas de jabá, a programação das rádios com lixo cultural. Minha pretensão me faz querer ir além da sobrevivência no mundo independente, produzindo arte incômoda e brasileira (que não precisa, como diz meu amigo Cláudio Bull, ter necessariamente elementos nordestinos ou regionalizados). Espero que eu consiga. Se não neste próximo disco, nos outros que virão - por teimosia e prazer.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Crítica - 'Dias mais tranqüilos'

Blog De Inverno - 09/04/2008

Mais um grande disco de um ano que tem nos brindando com grandes discos até aqui. To falando de "Dias mais tranquilos", do Beto Só, de Brasília, que tá saindo essa semana com exclusividade em formato virtual pelo My Space Brasil, e em seguida, em CD pelo Senhor F Discos. Já sou fã do trabalho do Beto Só desde o primeiro disco, Lançando Sinais, que é um dos mais rodados na vitrolinha aqui de casa. Gosto do jeito dele cantar, das letras singelas, dos arranjos bem resolvidos, das melodias melancólicas e ternas. Em meu mundo ideal, é o tipo de som que tocaria nas FMs e embalaria o casalzinho adolescente da novela das sete. Mas enfim, isso não vem ao caso. O fato é que o novo disco do cara tá ainda melhor, canções fudidamente belas, arranjos perfeitos, capitaneados pelo Ju, guitarrista e irmão do Beto, que conheci quando ele veio pra cá a primeira vez tocar com o Phonopop, em um show que produzimos ali no finado Vintage, com abertura do Sofia. Deve ter sido lá por 2001/2002 isso, não sei exatamente. Mas enfim. O Beto Só faz música daquele jeito que eu gosto, ou seja, absolutamente despreocupado se o que tá rolando é newelectropósgrimesheetandfucking sei lá o que. Simplesmente boas canções, boas melodias, boas letras. Parece meio óbvio, mas é que isso me parece cada vez tão mais raro que quando se encontra é motivo de celebração. Além disso, é um disco que não deve nada em termos de qualidade de produção a qualquer disco de banda gringa ou do mainstream. E não é a toa, afinal foi gravado no estúdio do Philipe Seabra (Plebe Rude), mixado e masterizado pelos irmãos Dreher. Enfim, só fera. Tem uma resolução sonora impressionante, com guitarras e cordas te envolvendo de uma forma absolutamente irresistível.

Desde ontem, quando soube que tava saindo, não consigo parar de ouvir. Gosto em especial das baladas, a começar por "Desatento", "Abre a janela", a faixa título "Os dias mais tranquilos".

E to viciado em "Todos logo ali", onde ele fala

"Pára de ranger os dentes
De frear a própria vida
Entra e fica em paz
Com a gente"



To ouvindo de novo aqui "Abre a janela" e pensando que é um daqueles discos que me causa uma "inveja branca", do tipo "queria ter feito essa música". Maravilhoso. Mas um dia a gente chega lá (eheh). Por hora me contento em ouvir e me deliciar em coisas como "Com leite e café", desde já uma das melhores do ano, e um clássico, com seu arranjo que começa acústico minimalista e vai num crescendo incrível. Fora a letra, de uma singeleza acachapante:

Com leite e café
(Beto Só e Ju)

Dorme agora
Esquece, me ouve:
a vida de antes ficou pra trás
Ontem e hoje, nunca mais

Espera amanhã
Tão logo, bem cedo
Vamos sair pra ver o sol
Sombras e nuvens, nunca mais



Vamos brindar com leite e café
Comemorar
Sentar ao balcão com gente de fé
Depois trabalhar

E se chover
Pode deixar
Deixa cair
Se é pra limpar

Enfim, um disco pra se curtir do começo ao fim, e que mostra mais uma vez que longe dos hypes vazios e das figurinhas carimbadas de sempre, existe sim vida inteligente e música de primeira categoria feita por gente de verdade nesse Braziú!

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Crítica - 'Dias mais tranqüilos'

Por Adriano Mello
Blog Coisa Pop

“O caminho é longo, mas não tenho pressa...” Com essa frase o brasiliense Beto Só começa a música “Vida Boa Não é Vida Ganha”, que abre seu segundo disco “Dias Mais Tranquillos”, lançado esse ano pelo selo Senhor F. O nome do novo trabalho do cantor e compositor combina muito bem com o que temos pela frente. Em dias cada vez mais corridos, nada melhor do que onze canções para nos fazer parar um pouco.

“Dias Mais Tranquilos” foi gravado no estúdio Daybreak em Brasília, sobre a batuta da dupla Gustavo e Thomas Dreher e produzido pelo grande Philippe Seabra. A (boa) banda que gravou com o músico é formada por Ju (guitarra), Bruno Sres (guitarra), Beto Cavani (bateria), Felipe Portillo (piano), Tiago Lanuck (teclado) e o mesmo Seabra comandando o baixo.

As canções continuam passando pelo folk rock tendo os violões como condutores nas maiorias das vezes, estando bem mais elaboradas que na estréia. As letras são outro ponto forte do trabalho, versando sobre cotidiano, amores e o tempo, além de alguma espécie de redenção como na faixa “Tão Tarde” que abre com os versos: “Eu voltei depois de enfrentar todos os monstros do mundo...”

Destaque maior para a belíssima “O Tempo Contra Nós”, já conhecida desde o ano passado, onde Beto versa: “Corre o tempo contra nós, quase que perco você, um mundo tão veloz, tenta nos separar, deixa ele tentar...”. Uma das canções de 2008, sem dúvida alguma. “Meu Velho Escort”, “Minha Doce Bailarina” e “O Espaço de Nada” são outras que merecem um pouco mais de relevância.

Com “Dias Mais Tranquilos”, Beto Só além de consolidar sua carreira com um bonito trabalho, faz um disco que com suas melodias e arranjos, alimenta não o coração, mas a alma, levando o ouvinte a pensar um pouco na vida e na correria a que se sujeita no seu cotidiano. Como diz a faixa titulo: “Que sejam longos os dias mais tranqüilos, meu dias mais felizes...”. Amém.

sábado, 14 de julho de 2007

Lucas Pocamacha, um superstar para ser amado

A primeira vez que vi um show do Superguidis foi num Gate´s Pub longe de estar cheio. Devia ter umas 70 pessoas lá dentro. A atração principal eram eles, mas como ainda não tinham disco o público de Brasília não quis arriscar. O legal, no entanto, é que quem pagou pra ver saiu de lá muito, mas muito feliz. Showzaço. “Eles são que nem os Beatles”, falei pro Fernando Rosa, dono do selo Senhor F Discos, depois da apresentação, buscando uma definição imediata.

Fernando estava com a master do primeiro disco deles e planejava lançá-lo. Combinou tudo ali mesmo, depois do show, e ‘Superguidis’, o disco, saiu em 2006 para roubar a cena. Apareceu em todas as listas como um dos melhores discos independentes do ano e os garotos começaram a ser amados por todos nós, amantes do novo rock brasileiro. E confirmou minha sensação de que a banda era mesmo que nem os Beatles.

Os quatro guris de Guaíba (RS) são foda porque não têm só música boa pra mostrar. Quando você vai a um show deles, fica logo querendo ser amigo dos caras. Fica óbvio que são meninos legais e tudo que você consegue pensar é que eles merecem que coisas boas, como o sucesso, aconteçam para eles. Carisma pouco é bobagem e parece mesmo que estamos vendo os Beatles novinhos, cantando com aquela felicidade do início da carreira.

Daí você nota que cada um dos quatro parece saber exatamente sua função na banda e que parece estar muito satisfeito com ela. O Diogo fica lá, jeitão mais sério, com charme, tocando um baixo sólido e essencial. Marcos é um baterista que gosta de arranjos simples, como a banda pede, tem cara de bom moço e uma beleza capaz de transformá-lo no preferido das garotas que vão aos shows.

E daí tem Lucas e Andrio, a dupla de compositores que faz a banda ser fantástica como poucas, dona de um repertório forte e assoviável, longe do banal. Lucas sabe que não precisa cantar para aparecer um pouco mais. Deixa seus versos para serem berrados pelo amigo. Aí a dupla de frente fica sendo Andrio, um frontman com a melhor voz hoje no rock nacional, que dosa um ar contido com empolgação sob medida, e Lucas, o guitarrista que chacoalha os cabelos de um jeito juvenil adorável, para nos intervalos das músicas fazer comentários tão desengonçados quanto simpáticos.

Andrio e Lucas completam a fórmula mágica dos Guidis no melhor estilo Lennon e McCartney, capazes de compor músicas que se encaixam perfeitamente na banda, mas com estilos muito particulares. São capazes de gerar aquelas discussões saborosas sobre quem é o melhor compositor. E a gente sabe que, mesmo que defenda que um é melhor que o outro, pode mudar de opinião na próxima audição do disco.

E aí chegamos à explicação do porquê do título deste texto, que é minha forma de correr esse risco de ter de mudar de opinião amanhã ou daqui a algumas horas. Mas o fato é que depois de ouvir 'A amarga sinfonia do superstar', o segundo disco dos guris, não pude deixar de sentir uma profunda admiração por Lucas Pocamacha, que compôs quatro das 11 canções oficiais (sem contar a faixa escondida) do CD.

Em tempos de "amor líquido", quando as relações são encontros com um curto prazo de validade e nas quais nos esforçamos pra não nos mostrarmos frágeis ou dependentes demais, Lucas é um artista que ousa desnudar toda sua fragilidade e crença no amor. Suas canções são tocantes ao expor uma busca interior para conseguir se encaixar no mundo - e assim não ser um solitário -, mas sem abrir mão de sua personalidade - o que o empurra de volta para a solidão dos incompreendidos.

É dele os versos de 'Por entre as mãos', que abre o disco numa melodia maluca e emocionante:

"O teu dom de se esconder de mim
Só é menor do que o meu de não te achar
Odeio não me irritar com as coisas que, eu sei
Me irritam em você"

E também de 'Cheiro de óleo':

"Todo mundo cai, todo mundo escorrega
E todo mundo sabe que isso é normal
Menos eu e você"

Ouça:

Como um Charlie Brown (aquele criado por Charles Schulz) do rock contemporâneo, Lucas parece perseguir a felicidade, mas sabe que não abrirá mão dos seus valores para consegui-la de forma imediata. Se transforma num questionador, de si mesmo e do mundo - "sou vítima ou culpado?", parece se perguntar. E, assim, nos oferece em forma de canções toda a angústia daqueles que ousam desejar uma felicidade não superficial como a que o mundo parece nos impor para consumo imediato. Torna-se uma pessoa em dúvida, em conflito constante, o inadequado que consegue ver o mundo de uma forma única e poética, como poucos, mas sofre por isso.

tocando um baixo s com um certoamos vendo os Betles novinhos, cantando com muita felicidadeeçaram a ser amados por Suas músicas são resultado da inteligência emocional que provêm dos que não têm certeza de nada e assim nos ajudam a alcançarmos um entendimento sobre nós mesmos através da emoção. Trazem o complexo dos que não se sentem bonitos ou cool o bastante e, justamente por isso, tocam a todos nós, que parecemos condenados a não nos sentirmos nunca bonitos ou cool o bastante. Artistas especiais como Lucas sempre terão refúgio no rock e são aqueles que fazem com que este não morra. E por isso é meu compositor predileto dos Superguidis. Mesmo que eu venha a mudar de idéia daqui a pouco, depois de ouvir 'A amarga sinfonia do superstar' mais uma vez.